17 de junho de 2009

Eu já fui um canivete suiço


Curta ausência. Pequenas férias e santos e regresso e muito trabalho e tudo e tudo.

Num zaping nonchalence apanho o professor Marcelo e as suas encolhas – este post já tem uns dias de atraso, mas na minha idade já não há problema.
Já há muito que não o ouvia. Foi mudando de interlocutor, foi perdendo a chama, foi tostando a pele e o discurso, enfim, foi perdendo o chiste e parecendo cada vez mais chispe e eu para pratos do dia já dei. Gosto de poder escolher.

Estava ele diante da sua pitonisa de cetim a debitar sobre o mundo político e eis que se fala das comemorações do 10 de Junho. O diálogo foi mais ou menos isto:
— O Presidente da República fez uma homenagem a Salgueiro Maia... – diz a moça logo interrompida:
— Justa! Justíssima! – pincha Marcelo na cadeira.
— Um pouco para compensar o que não fez com a pensão, quando era primeiro ministro, há vinte anos – diz ela timidamente.
E vemos um Marcelo um pouco interdito, trocando o habitual olhar cintilante-sou-mesmo-espertinho-e-levado-da-breca-não-sou? por um olhar de carneiro mal morto e um sorriso descendente:
— Olhe, não me tinha lembrado disso! Mas se o fez com esse objectivo, fica-lhe bem do ponto de vista cristão e do ponto de vista de português.
— Muito bem. – remata a outra à baliza e muda de assunto.

O professor Marcelo não se tinha lembrado disso?! Como é possível tal falha no homem que lê mais rapidamente do que a sombra e para quem os bastidores e sobretudo a psicologia das intenções políticas são canja e que num gesto magnânimo nos consegue desvelar esse mundo quase tão obscuro como o Herberto Helder e explicá-lo numa penada às criancinhas e ao povo?!
Das duas, três: ou o professor Marcelo anda a perder qualidades, ou o assunto era incómodo ou eu estou a dar importância a um fait divers. Mas como a jornalista, apesar do seu arzinho de membro da família Prudêncio, levantou a questão, talvez o episódio, tão falado à época, da recusa de pensão pedida por Salgueiro Maia pelos chamados "serviços excepcionais ou relevantes prestados ao país" e a atribuição, tempos depois, da mesma pensão a dois ex-inspectores da PIDE, António Augusto Bernardo e Óscar Cardoso, prontamente assinados pela mão sábia do nosso actual Presidente da República, talvez não seja esta a coroa de glória de Cavaco.
Mas isso era no tempo em que ele e a esponja decidiam corajosamente não meter as economias debaixo do colchão e entregá-las a um banco que lhes comprava acções não cotadas no mercado. Enfim, como ele só era primeiro ministro e tinha sido ministro das finanças não percebia nada de economia e de como e onde investir. Nós demos conta. Agora não, é outro homem. Parece que devora (não lê, devora) livros da Agatha Christie e põe coroas arrependidas de flores na estátua equestre de Salgueiro Maia.

O que nos vale é a redenção de Marcelo. O que nos vale é o perdão de Marcelo que nos salva com o seu catolicismo à prova de água e as fotobiografias de arcebispos de Coxim e as actas dos encontros de Misericórdias em Penafiel e os “olhe, não me tinha lembrado disso, mas já agora, vamos demonstrar aqui como eu, que já fui um canivete suíço, consigo ser agora uma elegante lata de sardinhas e como até os outdoors me dão razão mesmo quando nem eu percebo o que estou a dizer...”

Vale mais tarde do que nunca, diz-nos Marcelo no seu momento zen. Mas dá mais jeito durante a vida. E durante esta vida. Se tivermos outras, logo se vê como nos orientamos. Se, por exemplo, nos dá para prestar serviços excepcionais ou relevantes ao país. Ou se nos dedicamos ao perdão tardio, quero dizer, à reciclagem dos lixos domésticos.

8 comentários:

Chicapardoca disse...

Grande post. Também eu fiquei perplexa e comentei aqui em casa: Alto e pára o baile! O homem, tão perspicaz e inteligente, não se tinha lembrado disso??? Está a gozar, só pode...

Filipa Júlio disse...

segundo um artigo publicado na última edição da "nature", homens portugueses com cor de pele creme pizbuin efeito dourado nº3 todo o ano, apresentam uma maior probabilidade de virem a desenvolver problemas de memória selectiva.

Anónimo disse...

A Rosa tem um blogue bem fixe!
Boa Filipa! Um abraço. Amélia Júlio

rosa disse...

Amélia! Há quanto tempo! Manda-me o teu mail. Então tu és prima do CJ?
Por onde é que andas?

Anónimo disse...

Rosa! Este blogue foi uma bela descoberta! ando por Lisboa, por aí...a ver se apanho cerejas! Tu estás óptima e não digas que não!
O meu mail é o:
ameliajulio0@gmail.com

cláudia disse...

está óptima e recomenda-se! bravo, Rosa, brava Rosa, eheh...

Filipa Júlio disse...

beijinhos amelinha :)

rosa disse...

então agora aproveitam o blog para fazer reunião de família? está certo, é a função social bloguística.

amélia, podes mandar cerejas por mail?

o raio da técnica ainda é fraca.

mas sempre é melhor do que para os lados do Bonirre que deitou o telefone para a banheira e tem que vestir um escafandro para atender.