27 de junho de 2009

Telexornal (ortografia que respeita a quota galega neste blog)

Se bem se lembram, estava eu a no postanço nocturno, quando recebi a notícia da morte de Jacko.
Retomo agora.

Hoje, (ou seja, há dois dias), excepcionalmente em casa à hora do almoço, vi uns minutos de telejornal que são uma parábola do meu dia a dia, seguido de um trailler da sub-economia nacional.
Passo a explicar, como agora se diz, ajeitando o falante as nádegas na cadeira.

Vi um directo de Porrais (?!), concelho de Murça, onde a seca da Oliveira, desculpem, oliveira é preocupante. E a jornalista perguntava ao agricultor desdentado e com barba de três quinze dias:
— Vejo que, para já, a ramagem está seca. Pode afectar toda a árvore?
(Não vê nada. Já tinham tudo combinado, para não obrigar o homem com notórias dificuldades de dicção a ter que falar e nós a aguentarmos por mais de uma frase os seus olhos piscos e desanimados).
Resposta filosófica do olivicultor transmontano:
—Mas ainda há esperança na poda.

É exactamente o que me acontece! Eu, Oliveira, tenho estado a sofrer uma enorme e prolongada seca que já me está a chamuscar as folhas e só há esperança na poda. Com ou sem “h”. A seguir ao "p", obviamente.
Isto sim, é que é uma parábola! Mais certeira do que as da Bíblia. De qualquer modo, das da Bíblia não se percebe patavina — e anda a humanidade em guerras exegéticas e matanças de inocentes há mais de 2000 anos por causa dos apontamentos com as soluções que Cristo e os amigos deviam cá ter deixado. É sempre assim, há quem não empreste os apontamentos ao pessoal que, só por mero acaso, chegou atrasado, o que é uma porra (já que falamos de Porrais).
Para completar a seca das oliveiras, temos a polémica dos azeites. Há hipótese de o governo autorizar a mistura do azeite com óleo o que irá fazer correr muita água. Mais ainda: anuncia-se o regresso, pasmem!, do GALHETEIRO! Mas já se percebeu, pelo estudo sociológico de cinco minutos apresentado, que também a questão galheteiro vai dar azo a encarniçadas (ou oleosas) hostilidades.
Quer dizer, não só vamos assistir a prós e contras entre azeiteiros e governantes com os azeites, como vamos passar a ter, para além dos restaurantes para fumadores e para não fumadores, restaurantes de galheteiro ou de garrafinha de azeite. Está o caldo entornado.
Eu não vejo é distinção oficial entre restaurantes com ou sem televisão. E sobre esta matéria, como dizem os políticos quando estão irritados e querem disfarçar, sobre esta matéria, repito, eu até tinha uma proposta levemente nazi, mas fica para a próxima.
Voltando ao telejornal.
Ainda eu não tinha recuperado o fôlego de tanta revelação em tão curto espaço de tempo, eis-nos numa reportagem sobre imigrantes explorados.
Diz-nos a repórter expedita (e já vão ver quanto o é) que o Alentejo está a ser invadido por um novo tipo de imigração, diz-nos a repórter expedita: tailandeses. Nada menos que 400. Imaginem 400 tailandeses por esse Alentejo fora! Não se pode romper! Ainda por cima, não falam português, nem inglês, nem francês, nenhuma língua cristã. Nem quero pensar na confusão que não irá por aquele ali. Se calhar é melhor este verão pensarmos em chegar ao All-espera um bocadinho-garve de avião. Ou por mar.
Mas meus amigos, como diria o contador de histórias Saraiva, esta reportagem já tinha começado mal. A jornalista (que deve ter tido um estágio trinta vezes mais curto do que o vinho que bebi há uns posts atrás) abordara a pessoa errada. Perguntou ela a uma moça com ar muito fresco, apanhada a remexer vagamente na terra:
— Há quanto tempo trabalha aqui?
— Una, diz a loira espetando o indicador.
— Um mês?
— No. Una, insistia a imigrante.
— Uma semana?
— No. Una.
— Um dia?
— Si.

Má escolha. Rápida mudança de entrevistado.

Uma reportagem depois, fiquei a saber que a aposta agrícola deverá ser no mirtilo. Este fruto silvestre dá um trabalhão, porque é pequenino e caprichoso: não pode ser apanhado com muito calor nem com muito frio, tem que ser de manhã muito cedo ou de noite um bocado tarde, acho que para o mirtilo a perspectiva cronológica é indiferente, mas tem que ser no Verão, evitando as orvalhadas de S. João, etc, etc, enfim, é um fruto de trato pessoal muito difícil e com grandes carências afectivas. Como eu o compreendo! Se já gostava de mirtilos, agora passarei a comê-los com redobrada empatia.
Embora seja vendido a 40 euros o kilo, o difícil mirtilo dá muito pouco dinheiro a quem o cultiva, cabendo os chorudos lucros de mais de 1000% aos intermediários, diz uma moça escorreita e reivindicativa da Mirtilusa de Sever do Vouga. É o costume. Poderia aqui dar outros exemplos do género, mas alguns, como as trufas, são consideradas drogas duras e depois posso ter chatices.
O problema com o mirtilo é não sermos nós a fazer a distribuição (é como as editoras com os livros) para além de em Portugal sermos pouco mirtilófilos. Mas, como diz o filósofo supracitado, ainda há esperança na poda. E assim, começa a haver uns chefs portugueses modernos que apostam em tartes, recheios, foie gras, sushi e por ai adiante, tudo com mirtilos.

Definitivamente, urge ir buscar os tailandeses ao Alentejo e fazer cooperativas de mirtilo em Sever do Vouga, com romenos e polacos a fazerem a distribuição europeia, enquanto, simultaneamente, traçamos um plano quinquenal que imponha a nouvelle cuisine mirtilosa nas cantinas das nossas escolas.

Os nossos telejornais são uma lição de vida. E devida.

ópera pop

e para antes de adormecer

isto é que é cantar e dançar!

26 de junho de 2009

don't stop 'til you get enak




Aos 24 anos parecia eterno, como diz o Belanciano. Aos 50 segurava com clips o nariz decepado e injectava cocktails analgésicos até bloquear o coração.
O cyborg da música pop parou ali, acabou aos 50 a exibição que durava desde os 5 anos, debaixo das cinturadas do pai, perdido na embriaguês da música no sangue, dentro da cabeça deformada por fantasmas entre a inocência e a decomposição.


Sempre gostei de homens que gostam de dançar.

“andava a pensar em formar um grupo para ir em dezembro ver o MJ, mas a vida é f. da puta”, diz-me um amigo em sms.

É isso, P. A vida é éfe da puta.

This is it. This is the final curtain call



estava eu a escrever um post quando começo a ouvir sms insistentes.
o texto era o mesmo vindo de duas pessoas: morreu o michael jackson.

amanhã acabo post se for caso disso.

por agora penso: foram emoções fortes a mais. foi oxigénio a mais.

25 de junho de 2009

Distribuição de serviço


E perguntam-me vocês: o que é que eu tenho andado a fazer estes dias?
Já sei que não perguntam, mas eu tenho esta fantasia ou esta troca tintice tecnológica: tendo a usar o blog como se fosse o facebook, o facebook como o blog e o twitter como papel higiénico.
Bom, vocês não perguntam, mas eu, mesmo assim, respondo: tenho andado a sofrer o final do ano escolar como se fosse o fim do mundo. Nada que não seja já habitual nos últimos quatro/cinco anos, mas há sempre o factor surpresa (para além do factor F&Q, ou seja, faca e queijo na mão).
Ainda temos mais trinta e um dias até respirarmos fundo, mas já houve um pouco de tudo o que é preciso para fazer carreira em Hollywood: drama, comédia, violência, suspense, intriga. Tem sido um fervilhar e ainda mal começámos.

Só tenho pena que haja tão pouco sexo...

Pelo menos que eu saiba.

Só se... mal eu viro costas, começa essa parte.

Pelo sim, pelo não, vou ali e já volto.

O que faz falta



vejam lá o que um rapaz jeitoso pode fazer com a música choninhas de um grupo chalado, consumido por um público choné de suburbanos choramingas e trintões chochos.
chiça!

19 de junho de 2009

Bónus traque

Continuação do post anterior

Listen very carefully, I shall say this only once!

Tal como os animais, eis outro dos meus amores: futebol.
A não-notícia do dia: José Eduardo Moniz convocou um conferência de imprensa para dizer que não é candidato à presidência do Benfica.
Que se fosse lá mais para Outubro, talvez. Agora, não.

Tem toda a r’zão. Não é altura. Fim do ano escolar, fogos, praia, cheiro a sovaco, agora não dá.
No Outono, depois do lavar dos cestos da vindima e com a primeira castanhita, já outro galo cantaria.

Lamento, mas é só o que eu sei dizer sobre futebol.
Gosto muito é daquele conceito do “lance de bola parada”.
É disso e do realismo de Coubert.
São concepções deste teor de sofreguidão ôntica que todos os dias me dão um jeitaço para, primeiro, convencer o meu filho a tomar banho e, mais tarde, para conseguir que ele saia da banheira antes de entrar em desagregação molecular.

Actas do colóquio sobre o Dr. António Carqueijeiro

Ontem há noite - quero escrever mesmo com h, porque houve noite.
Estive com uma especialista em grandes-cantoras-underground-cabaret-nova-iorquinas-com-olhos-exolftálmicos-e-de-baixa-estatura (vulgo, little annieófila) e um moço que nos pregou uma partida: abriu ele um vinho tal, que ao segundo gole já não conseguias dizer o nome completo do vinho e ao quarto copo recitava Os Lusíadas de trás para a frente como se fosse o diabo do exorcista a falar pela boca da Linda Blair. Da Linda Blair actual.
O senhor vinho chama-se “Homenagem a António Carqueijeiro”. Não sei quem foi o Senhor António Carqueijeiro, mas na Nova Crítica de Vinhos (que é uma espécie de New Criticism, mas com os taninos todos alerta e as papilas gustativas mais viradas para o close driking), e de acordo com a recensão do enólogo (profissão que eu não desdenharia, mas já vou tarde) Pedro Gomes leva nada mais nada menos do que 18 pontos.
Este vinho, tal como Jacó que sete anos de pastor servia, estagiou sete anos de idade. Acho um bocado exagerado para estágio, mas eles, os da profissionalização, é que sabem - só espero que o estágio seja pago.
Reza então a crítica naquela linguagem que eu adoraria conseguir ter, já não digo a propósito de um vinho (tarefa que me parece ultrapassar toda a minha competência), mas numa escrita que eu gostaria de poder dominar a propósito de um romance ou de um poema:
“Sete anos de idade parecem não beliscar a concentração e a vivacidade da sua cor rubi. Abre com sugestões ensaguentadas a lembrar vísceras e carne crua: depois disso descobrem-se os apontamentos especiados -cravinho e noz moscada-, os balsâmicos, a caça, a trufa e uma distante sardinheira. Um tinto muito estruturado que impressiona na boca pela concentração gustativa, com um verdadeiro "batalhão" de taninos doces a destacar-se no final apimentado e a mostrar toda riqueza e vigor do vinho. Bem sei que o esforço vai no sentido de reproduzir o estereótipo das Côtes-du-Rhône, mas encontrei neste vinho um certo toque bordalês que me encantou. Grande em qualquer parte do mundo!”
Em qualquer parte do mundo isto é um thriller com um fundo de Morgadinha dos Canaviais, desculpem lá! E em qualquer parte do mundo o “batalhão” de taninos que nos atacaram levaram a conversa mais longe do que se esperava.
Falta dizer que o vinho passou duas vezes por barricas novas de carvalho francês Seguin Moreau. Não foi qualquer barrica, dessas que dão à costa assim que começa a época balnear e que avançam pela areia num difícil equilíbrio de pernas que já não dobram e que parecem cotos a segurar uma torre de menagem mais pesada do que o cavalo de Tróia em hora de ponta! Nada disso! Foram duas barricas, duas, de carvalho francês (carvalhô) primo da Jeanne Moreau! Não se brinca em serviço! Desconfio até que se tivéssemos bebido outra garrafita ainda acabávamos baralhados como o Jules et Jim.
Apesar de não almejar (já viram que palavra tão urinária?) transformar-me em enóloga numa noite, sei o suficiente para poder finalizar, dizendo que este Homenagem a António Carqueijeiro (que tenho a certeza que devia ser boa, excelente pessoa) tinha na boca um final longuíssimo.
O preço. Bom, o preço também era longuíssimo.

17 de junho de 2009

Eu já fui um canivete suiço


Curta ausência. Pequenas férias e santos e regresso e muito trabalho e tudo e tudo.

Num zaping nonchalence apanho o professor Marcelo e as suas encolhas – este post já tem uns dias de atraso, mas na minha idade já não há problema.
Já há muito que não o ouvia. Foi mudando de interlocutor, foi perdendo a chama, foi tostando a pele e o discurso, enfim, foi perdendo o chiste e parecendo cada vez mais chispe e eu para pratos do dia já dei. Gosto de poder escolher.

Estava ele diante da sua pitonisa de cetim a debitar sobre o mundo político e eis que se fala das comemorações do 10 de Junho. O diálogo foi mais ou menos isto:
— O Presidente da República fez uma homenagem a Salgueiro Maia... – diz a moça logo interrompida:
— Justa! Justíssima! – pincha Marcelo na cadeira.
— Um pouco para compensar o que não fez com a pensão, quando era primeiro ministro, há vinte anos – diz ela timidamente.
E vemos um Marcelo um pouco interdito, trocando o habitual olhar cintilante-sou-mesmo-espertinho-e-levado-da-breca-não-sou? por um olhar de carneiro mal morto e um sorriso descendente:
— Olhe, não me tinha lembrado disso! Mas se o fez com esse objectivo, fica-lhe bem do ponto de vista cristão e do ponto de vista de português.
— Muito bem. – remata a outra à baliza e muda de assunto.

O professor Marcelo não se tinha lembrado disso?! Como é possível tal falha no homem que lê mais rapidamente do que a sombra e para quem os bastidores e sobretudo a psicologia das intenções políticas são canja e que num gesto magnânimo nos consegue desvelar esse mundo quase tão obscuro como o Herberto Helder e explicá-lo numa penada às criancinhas e ao povo?!
Das duas, três: ou o professor Marcelo anda a perder qualidades, ou o assunto era incómodo ou eu estou a dar importância a um fait divers. Mas como a jornalista, apesar do seu arzinho de membro da família Prudêncio, levantou a questão, talvez o episódio, tão falado à época, da recusa de pensão pedida por Salgueiro Maia pelos chamados "serviços excepcionais ou relevantes prestados ao país" e a atribuição, tempos depois, da mesma pensão a dois ex-inspectores da PIDE, António Augusto Bernardo e Óscar Cardoso, prontamente assinados pela mão sábia do nosso actual Presidente da República, talvez não seja esta a coroa de glória de Cavaco.
Mas isso era no tempo em que ele e a esponja decidiam corajosamente não meter as economias debaixo do colchão e entregá-las a um banco que lhes comprava acções não cotadas no mercado. Enfim, como ele só era primeiro ministro e tinha sido ministro das finanças não percebia nada de economia e de como e onde investir. Nós demos conta. Agora não, é outro homem. Parece que devora (não lê, devora) livros da Agatha Christie e põe coroas arrependidas de flores na estátua equestre de Salgueiro Maia.

O que nos vale é a redenção de Marcelo. O que nos vale é o perdão de Marcelo que nos salva com o seu catolicismo à prova de água e as fotobiografias de arcebispos de Coxim e as actas dos encontros de Misericórdias em Penafiel e os “olhe, não me tinha lembrado disso, mas já agora, vamos demonstrar aqui como eu, que já fui um canivete suíço, consigo ser agora uma elegante lata de sardinhas e como até os outdoors me dão razão mesmo quando nem eu percebo o que estou a dizer...”

Vale mais tarde do que nunca, diz-nos Marcelo no seu momento zen. Mas dá mais jeito durante a vida. E durante esta vida. Se tivermos outras, logo se vê como nos orientamos. Se, por exemplo, nos dá para prestar serviços excepcionais ou relevantes ao país. Ou se nos dedicamos ao perdão tardio, quero dizer, à reciclagem dos lixos domésticos.

9 de junho de 2009

Novas oportunidades


No meu local de trabalho há novas oportunidades todos os dias.
Não me posso queixar.

Agora falando a sério



A partir de amanhã, vou tentar entrar num registo mais sério.
Assim não vou a lado nenhum.
Apesar de também não poder: só tenho férias em Agosto.

Lembro-me de um amigo, coimbrão de gema ou adoptado, que deslocado em trabalho para Braga se queixava constantemente da cidade dos arcebispos. E eu, que sempre gostei imenso de Braga apesar de não ter querido lá ficar a viver, apontava-lhe inúmeras qualidades da cidade minhota. Ao que ele ripostava, em última argumentação, num suspiro: "Pois, mas Coimbra tem outra dignidade!"

E assim estou eu: preciso de dar aqui um pouco de dignidade à coisa.
1 kilo ou 2.
Deve chegar.

8 de junho de 2009

Substantiva



Noite de eleições. Não gosto de falar de política, mas parece que hoje é obrigatório. Ao contrário do que ouvi da boca de muitos comentadores, não descortinei grandes novidades. O PS desceu como merece e como se previa, o PSD sobe e, nalguns locais fica na mesma, correspondendo à estagnação de ideias que por ele vai. O BE sobe como se calculava também enquanto o PCP e CDS ficam mais ao menos iguais a si próprios. Não vi grandes revelações, nem sequer na triste mas temível taxa de abstenção. Caminharemos até aos 80% de abstenção, ficando os restantes 20% reservadas aos militantes e dependentes dos partidos? Temos ainda mais oitenta e tal anos do nihilismo previsto. Lá chegaremos, se nos aplicarmos.

Agora o que se anuncia como novidade.
Rangel. Chegou a ouvir-se sobre ele — “nasceu uma estrela”! Que estrela?! Só se for uma estrelita como as dos cereais das crianças. Este rapaz, que parece que foi à máquina de lavar no programa errado e encolheu, demonstrou no seu discurso de vitória ser muito pouco tolerante e bastante “pesporrento” (palavra horrível que usou para caracterizar Sócrates). Por vontade da nova estrelita, o governo devia cessar funções nessa noite. As eleições são para as europeias, mas os resultados servem já para as legislativas (até se nos poupava uma campanha eleitoral, muita discursata e almoçarada e uma ida ao local de voto). Aliás, o logotipo da noite eleitoral na SIC era Portugal 09 e não Europa 09. Devo ter-me enganado nas datas com tanta eleição num ano.

Outra novidade são os três eurodeputados do Bloco que, por enquanto, continuam dois (que eu saiba). Esperemos que Rui Tavares não passe a ser Rui Talvez e vá estudar os terramotos para o eixo Estrasburgo/Luxemburgo/Bruxelas. Sinceramente espero que vá. E espero também que o Bloco que, dizem ter chegado à maioridade, aproveite para arrumar a casa e se livre do estalinismo entranhado que me impede, a mim e a muitos mais, de votar nele. E já agora que dê uma folga a Louçã (o Xico, para os iniciados) e se livre desse lado apadralhado e moralista, de dedo em riste que o aproxima tanto de Portas (do mano Paulo, não do compagnon de route Miguel). O problema é que, em grande parte, o Bloco é Louçã e Louçã é o Bloco. Já foi pior, mas ainda cheira muito a sacristia.

As não-novidades.
O PCP subiu. Continua a subir, imparável em cada eleição. Nem sei como é que ainda não tomou o poder. O índio Jerónimo permanece firme como uma rocha na sua reserva. Quando fala, ouve-se em fundo a cavalgada apache dos Shadows. Assim se vê a força do não sei o quê.

A rapaziada do CDS, esforçada e com a sua veia de forcado amador como diz o Luís Januário, continua a precisar de cortar o cabelo e a precisar de descolar daquela imagem de barraca de praias nortenhas. Precisavam de uma desintoxicação. De deixar urgentemente as camisas de riscas verticais. Nem que seja aos poucos: tentar as riscas horizontais, quem sabe se as diagonais, até que belo um dia possam chegar às bolinhas ou mesmo à camisa de uma só côr. A sério. O CDS, mesmo sendo PP, está sempre na iminência de acabar, porque para lá entrar é preciso ter pedigree e, como se não bastasse, usar farda, o que complica muito a vida ao povão que tem mais que fazer do que atender a uns betos instruídos que insistem em andar em feiras. Parece-me que o CDS se esvaziou sem nunca ter conseguido passar a PP. Por isso tem que trabalhar mais do que os outros. Vão por mim: deixar a camisita à risca ajudava.

O PS.
Nem sei que vos diga.
Têm o que estavam a pedir.
E eu até votei no avô cantigas. A campanha foi fraca, mas ele é mais rapaz para hemiciclos, anfiteatros, gabinetes, grupos de reflexão, enfim, corredores do Parlamento Europeu. Não nos há-de envergonhar. Afinal, a Ilda Figueiredo está lá há mais de uma década e o Paulo Casaca desde 1999. E quanto à notícia de o semanário O Sol a anunciar que Vital não tinha tido um único voto para presidente do Conselho Científico da Faculdade de Direito, conhecendo-se a Universidade de Coimbra, este facto, meus caros, só abona a favor do cabeça de lista do PS.

Agora outros aspectos que me dizem mais ao coração.
Ouvi ontem duas expressões que me encantaram: governabilidade e o vocábulo substantivo usado como adjectivo. Ah, isto para além do conceito de “esquerda moderna” que não é novo, mas não ouvia há muito. E dou-me frequentemente com bloquistas. 90% das pessoas com quem falo, quando saio à noite em Coimbra ou em Lisboa, são bloquistas. Mas nem todos são modernos. Deve ser por isso que não tenho ouvido a coisa. Por isso e porque, a partir de certa hora, não se consegue ouvir seja o que for.

Governabilidade! Por que raio desataram todos a questionar, de repente, se há ou se não há “condições de governabilidade”? Ouvi-o de pessoas de várias cores partidárias. Que é feito da palavra “governação”? Será esta demasiadamente simples, curta? Como, aquando da queda da ponte de Entre os Rios, desapareceu a palavra “acesso” e passou a dizer-se “acessibilidade” até à exaustão? Quando a coisa se complica acrescentam-se mais umas sílabas, malabarismo possível dada a plasticidade desta maravilhosa nossa língua portuguesa, sílabas normalmente inúteis, redundantes e inestéticas. Como nas famílias da nobreza que iam adicionando nomes à medida que empobreciam.
É que governabilidade é a qualidade do que é governável, o que insinua que se calhar isto (isto é Portugal, desde Eça) já nem sequer é governável e será melhor deitar tudo às malvas. Ou às Malvinas, já agora. Sempre se passeia.
Esta governabilidade, qualidade demasiadamente abstracta, aplicada às instituições portuguesas, deixa-me inquieta, acreditem. É como dizer que estou num grande “gostamento” em relação a esta ou àquela pessoa. A palavra existe, mas ninguém a quer ver aplicada a si, porque desconfiamos logo do amor de quem nos está a dizer isto. A não ser que seja o Herberto Helder ou algum dos seus confusos heterónimos.

Quanto à questão substantiva da política substantiva também tenho algo a dizer. Mais uma vez demonstra a grande qualidade da língua em que procuro escrever. Não deveria haver um único dia em que nós não devêssemos agradecer aos céus da filologia, da história da língua e dos muitos e bons escritores que tivemos, a complexidade, subtileza e acutilância da Língua Portuguesa. Agora que nem o clima se pode já recomendar, devíamos rezar todos os dias lendo uma página de um clássico da nossa língua entre cada refeição.
Estou a falar a sério.

Em português, como todos sabemos, é possível substantivar adjectivos, verbos e advérbios. É possível transformar tudo em substantivo: o comer e o coçar; um não bem firme; um azul perfeito, etc. Já a adjectivação de um substantivo é mais rara e envolve processos mais complexos de metaforizações e quejandos (sendo os quejandos mais ou menos complicados). Caso de “uma questão intestina” e por aí fora.
Nesta nova tendência da linguagem política, temos um substantivo que ainda para mais é a própria palavra "substantivo" a ser tomado, à antiga, como adjectivo. Esta conversão gramatical chega-nos nove anos depois da conversão do escudo em euro e eu acho que isto não é por acaso. Entrado na nossa língua por volta de 1540, o adjectivo “substantivo” designa, segundo o infalível Houaiss, “um ser real ou metafísico” que expressa a “substância”, “paradigma da natureza”, o que nos remete para questões altamente especulativas e simultaneamente próximas de nós.
Ou seja, agora que a substância, o pilim, o emprego, a vergonha rareiam, toca à procura do substantivo onde menos seria de esperar ele estar: no adjectivo.
Notem que entro aqui num terreno minado. Estou a misturar política e um domínio que é um barril de pólvora. A tal ponto que a sua designação tem estado na clandestinidade desde o final dos anos 70 (do século passado). Ainda agora a escrevo com um frisson de perigo a espreitar-me por cima do ombro. Estou a falar de GRAMÁTICA e estou a usar os velhos termos de substantivo e adjectivo. Acreditem que não é fácil.
E foi esta a principal lição que retirei da noite de eleições de ontem.
Vem aí a política substantiva. Pelas mãos dos vários partidos, está mesmo a chegar: todos se querem agarrar à política substantiva.
É o que nos vai valer para vencer a crise.

Um adverbiozito também talvez desse jeito.

Afinal este post não era sobre política.
Eu não disse que não gosto, nem sei, falar de política?


Post scriptum
: também vem aí a lei do cibercrime.

5 de junho de 2009

h h, poeta abstruso (ou obtuso?)




Recebi ontem o seguinte mail:

“Assunto: importante, algo importante perdido, por ler.
Venho por este meio comunicar a toda a comunidade [...],
que um livro foi perdido:
características:

- de Humberto Helder, poesia
- preto
- mais ou menos 600 paginas.

peço por favor, que caso encontrem esse livro, o deixem na recepção.
J. L.”

Como calculam, fiquei muito perturbada com esta mensagem.
Quem será este poeta já com 600 páginas editadas, de negro vestido, e a quem alguém, com mais sorte do que eu, deitou a unha numa distração incauta do proprietário?
Há tempos, tive uma aluna que me falava num outro poeta que poderá ser parente deste. Era o Herberto Hegel, poeta difícil, muito dado à fenomenologia da menstruação e ao empréstimo da salsa à vizinha.
Agora, o Humberto...quem diabo será o Humberto Helder?!
O que é extraordinário é que se escreverem Humberto Helder no Google, aparecem-vos várias entradas com este nome associado a um outro, o do também poeta, e também fixado na menstruação e na salsa, mas sem dialéctica e sem vizinhas. É ele um tal de Herberto Helder. Mas deste não se apanham os livros, porque esgotam antes de chegarem às livrarias. E, já que andam juntos, não serão estes mais dois messias com vidas paralelas como as de Cristo e de Brian?

Mas há ainda outras hipóteses: não estará o perdedor do livro equivocado e, já que o descreve como volumoso e escuro, não poderá este ser de Herberto Pimenta? A sua Obra Quase Incompleta é anafada e com capa de fundo negro (embora tenha um boneco).
Ou poder-se-á tratar de um poeta cacofónico e semi-óptico como Herberto Eco?

Como vêem, não é fácil desembaraçar este novelo.
Eu fico-me por uma solução silogística. E assim:

1) Se temos agora um Humberto Helder;
2) e já tínhamos um Herberto Hegel;
3) então, na rifa, sai-nos um inevitável Humberto Hegel.

Um amigo contou-me há anos ter tido uma revelação deste teor quando leu num exame que “segundo Aristóteles, uma das funções da tragédia é catar-se”. O meu comentário bronco, na altura, foi apenas o de “É a tragédia e o quitoso.”
Só mais tarde me apercebi da profundidade desta asserção e da tendência que já apontava para um neo-neo-aristotelismo. Se os neo-aristotélicos de Chicago retomavam intencionalidades e plots, este discente neo-neo-aristotélico vai ainda mais longe e defende claramente um retorno aos instintos mais profundos da nossa biologia.

E agora vemos o surgimento dos neo-neo-hegelianos. (Há ainda os neo-botânicos, mas isso fica para outro dia.)
Pois eu estou em crer que este jovem neo-neo-hegeliano acredita seriamente na marcha vitoriosa do espírito contra o mundo, neste caso contra o gesto habitual do “Achei, é meu!”

Só espero é que quem encontrar o livro o leia. Que, pelo menos, leia o nome do autor, para finalmente sossegarmos. Sim, porque eu já passei esta inquietação a outros: há que sofrer com. Ou seja, com compaixão. Sofrer ponto com.

Esta investigação filosófico-bibliógrafo-detectivesca teve o apoio, ao telefone, de um dos nossos sponsors – Luís Manuel Gaspar.

4 de junho de 2009

Elogio do rodovalho


Elogio do rodovalho
(scophthalmus rhombus)

Não gosto de animais. Nunca gostei, nem em criança. Quando digo isto, assim factualmente, há muito quem me olhe como se eu tivesse um problema grave e dele não tivesse a menor consciência. Alguns ainda insistem, numa derradeira dádiva de salvação da minha alma: “Mas então, em criança, nunca quiseste ter um animal, um qualquer?” Chegam a tentar-me com um dos mais arrepiantes atributos da língua portuguesa: “Tens a certeza de que nunca quiseste um fofinho?” Não, juro que nunca quis. Já devia ser suficientemente pessimista aos cinco anos para evitar complicações adicionais à minha vida. Acreditem que a minha cosmovisão na primeira infância não se coadunava com fofinhos...
E assim, toda a vida desejei secretamente que os animais não se aproximassem de mim, pois com eles vem um festival de pêlos, babas, unhadas, mordidelas amigas e cheiros intensos. Além disso, nunca sei o que lhes pode passar pela cabeça dos instintos e isso deixa-me tensa. Se for um humano chato ainda o podemos mandar à merda, mas já tentaram mandar à merda um bouldogue a despejar três litros de baba por segundo para cima de vocês? Fofinhos, não?...
Não gosto e não preciso fazer dez anos de psicanálise por causa disso. É possível não gostar, não é? É possível eu não sentir o apelo da selva e da fauna, tal como não sinto o do campo, nem o das ciências ocultas ou o do folclore.
Infelizmente, nem os animais me evitam quando tenho de me cruzar com eles, nem as ciências ocultas deixam de me bater à porta para me atormentar todos os dias. Já no respeitante ao campo e ao folclore a passagem do tempo foi-me atenuando o horror: digamos que, quanto a estes, passei do alerta vermelho ao laranja dégradé.

Bom, mas depois de me livrar desta irritação que é mais o manifesto de uma minoria amordaçada, a dos não-amigos-dos-animais, confesso que não é totalmente verdade que não goste de animais.

Na verdade, gosto de peixes. Gosto de peixes nos documentários, nos aquários e no meu prato. Deve ser a minha veia henriquina. Mas também é o anelo científico, sobretudo quando o peixe pousa no pratinho.
Até já escrevi n’anaturezadomal sobre trutas e ostras (bem sei que as ostras não são peixes, mas são primas, moram lá para as mesmas bandas aquáticas).

E depois os peixes têm grande tradição na nossa literatura, o que é sempre edificante. Podemos descortinar ocorrências semelhantes para outros animais, mas isso agora é irrelevante. Estou aqui para falar de peixes e o resto da fauna não me interessa.
Temos, como exemplo superlativo, o Sermão de Santo António aos Peixes do Padre António Vieira. Para além de vir agora mesmo a calhar com o cheiro da sardinha assada à porta, é um santo popular que, como a lotaria, é mais acarinhado pelo povo do que os eleitos para “estar” na política. Para estar e para ficar, já se vê.
O Santo António, para além de ser um santo moderno com o seu burel minimalista e o cabelo rapado como um webdesigner, está sempre a sorrir e traz um menino ao colo. Não, não me parece que seja por razões menos próprias. É um menino que acabou de cair e a quem ele está a fazer gli-gli porque não tem hirudoid ali à mão.
Bom, parece-me que isto está a descambar para a pieguice e quem diz pieguice, diz égloga e quem diz égloga diz reforma agrária. E eu não quero “ir por aí”, como agora se diz.

Quero é falar-vos de um peixe fabuloso que se chama rodovalho.
Logo o nome dele tem ressonâncias quase napoleónicas que nos poderiam levar longe. Mais modestamente, fiquemo-nos por algumas das suas admiráveis características.
O rodovalho é um peixe cujo corpo sofre transformações significativas, até adquirir o aspecto típico deste grupo de peixes, a sua família de peixes-chatos, ou melhor, achatados à força. Enquanto larva, tem o corpo simétrico, com um olho de cada lado. Depois, à medida que se desenvolve, o olho direito migra para o lado esquerdo do corpo, que sofre uma compressão lateral acentuada, até ficar plano. Estas modificações resultam numa extraordinária adaptação à vida no fundo do mar, onde permanece semi-enterrado na areia, com o lado esquerdo virado para cima. Aí, perfeitamente camuflado, consegue ver sem ser visto...
Acho este percurso de vida extraordinário! Já viram isto?! Um olho que migra para o outro hemisfério do corpo! Ainda nós nos queixamos das profundas alterações da adolescência nos humanos! Bolas, isto é que é mudar! Em miúdo terá um ângulo de visão de 180 graus e depois, foge-lhe um olho para o outro lado da cara (só esta ideia faz as delícias de qualquer fã do Carpenter), espalma-se-lhe o corpo e passa a ver a 360 graus, enterrado na areia, num misto de espião perfeito e poético, repousando sobre o lado esquerdo como o Carlos de Oliveira!
Passa a ter 360 perspectivas, 360 oportunidades de arranjar o bom almoço ou de escapar ao fisco. Passa a ver o mundo em écran panorâmico, com a vantagem de ninguém o conseguir ver! Como diriam os académicos da nossa praça: é notável!
Mas isto não acontece só com o rodovalho: é passatempo de família. Com o irmão pregado e os primos solha e linguado também assistimos ao mesmo passe de prestigiditação. Já viram as potencialidades narrativas e simbólicas desta família?!

Tudo isto, porque no último fim de semana fui desviada até à Costa Nova onde, para além de me mostrarem uma praia da moda, me levaram ao ensopado de rodovalho do restaurante da Praia do Tubarão. Este ensopado é, na verdade, uma caldeirada na forma mais tradicional portuguesa só com o sabor dos bons produtos: rodovalho do dia, bela batata farinhenta mas pouco cozida, louro, bom azeite que se está nas tintas para as divisões de classe dos azeites, sal do mar e não da fábrica e um pouco de pimenta em grão, vinda directamente da primeira viagem de Vasco da Gama. O rodovalho sabe a rodovalho e a batata está aferventada, como se diz na Beira Alta. Tudo tem um sabor honesto e não há complementos de importação como rúcula de Aljustrel ou amoras congeladas do Dubai.
Lutámos arduamente pelos últimos bocadinhos no fundo do tacho sempre a dizer “não quero mais” com ar de cobiça para o prato do mais retardatário.
Ainda hoje, cinco dias depois, no quase final de uma semana de penoso trabalho (chato, chato, de forma a espalmar-me, mas a não me deixar camuflar como o rodovalho), ainda hoje, se penso nesse ensopado, posso sentir-lhe os sabores variegados e com personalidade.

Junta-se esta à memória de uma simples pescada cozida comida no Cabo do Home, nas Rias Baixas galegas, há quatro anos. A minha memória é mais aquática do que feita de madalena literária e arrependida.

Eu não disse que gosto de peixes? E poderia continuar. Mas agora tenho que suspender, porque tenho que ir ajudar o meu filho num trabalho de última hora para a escola sobre (imaginem!) os Três Pastorinhos. Não o extinto bar, anterior à existência da minha criatura. Mas, os outros, essa enteléquia da alucinação que tanto tem feito pelo nosso nacionalismo mais vigoroso. Vou tentar algo como “Os Três Porquinhos”, perdão, “Os Três Pastorinhos – uma visão alternativa”. O que temos de fazer pela sobrevivência da espécie, arre!

À zé e ao luís que me levaram ao mar em maio e a comer rodovalho na praia mais perto de salamanca.