31 de agosto de 2011

29 de agosto de 2011

choro dançado

nas trincheiras


a eterna pergunta deles: de que é que elas falam?

28 de agosto de 2011

deslinguística aplicada


jacques-henri lartigue

Desde que me lembro de mim, pronuncio o “r” como uvular discordante.

Não sei onde teria começado a ouvir tal coisa, sei que meus pais sorriam de mo ouvirem pronunciar assim, não tão rígidos quanto muitos que me rodeavam e o apontavam como um defeito da fala, todos se interrogando de onde teria eu ido desencantar tal realização tão dissonante.

Na verdade à minha volta, que me lembre, ninguém pronunciava um “r” tão arrogantemente uvular como o meu .

Também não sei por que mo corrigiam. E em vão.

Passei a infância a uvular o “r” sem cedências a quem me tentava inculcar os bons costumes e a moderação do “r” alveolar bem enroladinho e redondo.

Nessa época, no Viseu da classe média, não eram reconhecidas as variantes livres. Nenhuma variante livre do que quer que fosse.


26 de agosto de 2011

conflito


à laia de guisa



a síntese do verão: desconfio que todos os homens de meia idade, relativamente enxutos de carnes, lavadinhos e com os dentes tratados são comestíveis.
também convém que não digam muitos disparates.
embora este último aspecto seja solucionável com facilidade: ocupa-se-lhes a boca.
têm é de ser de meia idade.
a rapaziada não tem interesse nenhum - dá muito trabalho e pouco rendimento.
é pena os homens julgarem que pensam exactamente o contrário - que as novas é que são apetitosas.
resultado: nunca nos encontramos.

ok, pela figura podem dizer que não me limpo a nenhum caco...
mas é só um protótipo aperfeiçoado, um exemplo à laia de guisa para alegrar o olho.

25 de agosto de 2011

a fenda na muralha




Em 2004 viajámos pela Galiza e vi a casa da tia do meu amigo com o cemitério no jardim das traseiras. Disse-me ele que se lembra de, criança, ajudar na cozinha e ver da janela as campas que ora se iam abrindo, acrescentando, florescendo, abandonando. Na família, assistiam aos funerais enquanto amassavam a empanada e comiam no verão com a janela aberta e o vento a marulhar nos ciprestes. Os pueblos construíam-se à volta da igreja, a igreja continha o cemitério e aquela casa era dos primórdios. O quarto dele era uma frincha na parede adjacente, uma janela estreita, quase uma seteira de um castelo medievo, granítico. Às vezes acordava de noite com o uivar dos lobos, espreitava em bicos de pés sobre a cama via os fogos-fátuos a saltaram de campa em campa. Readormecia encostado ao parapeito, hipnotizado por aquela dança vinda do outro mundo. Quando lhe perguntei se não tinha medo, ele soltou a sua típica gargalhada contagiante e abanou a cabeça: “Não, aquilo era para mim uma maravilha. Como as primeiras óperas no Liceo. Sabes, eu era... como dizer?, muito naturalista. Hoje acho que já teria medo. Seria um bocado gótico demais.”

Este verão, ao voltar à Galiza, o meu amigo descobriu, na parede interior da igreja, uma fenda que estivera, durante anos, tapada por gesso e encoberta por um confessionário. Retirado este e limpa a parede, aparecera uma fenda considerável que quebrava o granito. A Xunta fez obras e, antes disso, determinou por testes modernos, o ADN da fenda. E verificaram que datava de 1755.

—Imagina! 1755!... Chegou ali o terramoto! — o meu amigo não parava de se espantar (em sentido português) com a potência do terramoto e tremia ainda de emoção ao relatar-me o impacto da visão de um traço vivo da História ali, ao lado da casa onde dormira e de onde a vizinhança dos mortos lhe fora indiferente na infância.

—Agora, o mais ridículo, imagina tu, é que foi a minha prima que me explicou isto nuns termos... Disse ela: “Parece que foi de um terramoto qualquer que houve para aí em 1700 e qualquer coisa...” e diz-me isto, assim, como quem diz que vai tomar um café, vê lá tu! Fiquei chocado! Não há dúvida que ela sofre de falhas vitais.

Falhas vitais?!

— Experiência...

Tudo isto se passa em Lobios, perto da bela Ourense, a 500 km de Lisboa e Tejo e tudo.

17 de agosto de 2011

il fumo uccide


"Peregrino-tipo tem 22 anos, é solteiro, visita Madrid pela primeira vez e provavelmente tem formação universitária." - da alegadamente imprensa diária

gosto do provavelmente.

16 de agosto de 2011

15 de agosto de 2011

BAD TIMING


Gustave Courbet, La vague, 1872

Ele tinha uma mãe, mas não tinha mãe apesar do “mãe há só uma”. No seu caso era aquela que ele sempre conhecera, mas de quem não conseguia gostar sem qualquer razão objectiva para tal embirração. Sentia-se culpado por não gostar daquela mulher a quem sempre tinha chamado mãe.

Um dia, pelos 15, 16 anos, descobriu a verdade por desconfianças tenazes e perguntas tímidas. Não foi preciso muito para que lhe reconstituíssem todo o filme da sua vida, visto agora ao contrário e com outras lentes que ele desconhecera até então.

Foram precisas duas ou três perguntas para ver o seu destino alterado. (O que é que isto vos lembra?) Depois, foram precisos dois longos anos de gaguejos assustados e solitários para recuperar do choque e decidir-se finalmente a saber mais. Quando, após muitas voltas interiores, começou a investigar onde estaria essa mãe desconhecida, descobriu que ela morrera no ano anterior numa aldeia das vizinhanças.


ferragosto



Sous aucun pretexte
Je ne veux
Avoir de reflexes
Malheureux
Il faut que tu m' explique un peu mieux
Comment te dire adieu
Mon coeur de silex
Vite prend feu
Ton coeur de pyrex
Resiste au feu
Je suis bien perplexe
Je ne veux
Me resoudre aux adieus
Je sais bien qu'un ex
Amour n'as pas de chance ou si peu
Mais pour moi une explication voudrait mieux
Sous aucun pretexte
Je ne veux
Devant toi surexposer mes yeux
Derriere un kleenex je saurais mieux
Comment te dire adieu
Comment te dire adieu
Tu a mis a l'index
Nos nuits blanches nos matins gris-bleu
Mais pour moi une explication voudrait mieux
Sous aucun pretexte
Je ne veux
Devant toi surexposer mes yeux
Derriere un kleenex je saurais mieux
Comment te dire adieu
Comment te dire adieu