24 de janeiro de 2010

quem vê caras


O Pedro e a Lena vão ser pais.
Afinal o frenesim do bricolage trazia água no bico. Ou bebé na cegonha.
Todos os dias discutimos nomes para o rapaz que chega em Maio.
Explico ao meu filho as vantagens e desvantagens de cada nome e quão difícil é tal decisão. E ele:
— Desde que não lhe chamem Bernardo... Bernardo é que não.
— Não, Bernardo não está em causa. Realmente é feio e ultimamente levanta-se uma pedra e saltam-nos dez Bernardos às canelas. Não gosto, mas eles também não.
— Pois, Bernardo é horrível.
Pausa do petiz e volta:
—Bom..., mas se ele tiver mesmo cara de Bernardo..., lá terá de ser... Coitados!...
— Cara de Bernardo? Como é uma cara de Bernardo, filho?
— Ó mãe, então não se vê logo?! Só tu é que não sabes o que é cara de Bernardo! Daaah!... é uma cara assim...
E faz uma careta que podia ser de Alfredo.

23 de janeiro de 2010

HnNn


estive com gripe em Novembro: tudo leva a crer que fosse a A.
estamos a 23 de Janeiro e, em 2010, já tive duas violentas constipações.
tanto a gripe, longa e instável, como as constipações, devastadoras e súbitas, são diferentes de todas as que tinha sofrido até hoje.
tenho uma teoria: desconfio que estas constipações são o plano B da gripe A.
será malandrice do vírus ou sobreinterpretação minha?

eu também quero ser pré-candidata!


Jan Steen

Desculpem o silêncio, embora, por esse motivo, não tenha que verdadeiramente pedir desculpa a ninguém a não ser talvez a mim.
É que, entre muitas outros acidentes da vida nestas duas semanas, tenho estado ausente do mundo a ler o livro de Pedro Passos Coelho.
Como não se percebe nada do que ele diz, que ideias tem ou não tem, resolveu escrever um livro que é o que agora faz muita gente sem grande ideia do que tem para dizer, ou, o que vem a dar no mesmo, sem ideias. Se não sabes o que queres dizer, escreve um livro. E ainda dizem que a iliteracia (horrorosa palavra que pretende enxotar o anátema salazarento de analfabetismo para uma linguagem da era didáctico-tecnológica) ainda dizem que a iliteracia se agiganta. Não, mil vezes não! Ou melhor, poder-se–á ler menos (o que duvido, sinceramente) mas, em compensação, escreve-se muito mais. É aliás um curioso fenómeno este, o de as pessoas que lêem pouco acharem que o que querem é escrever — e acrescentam, muitas vezes com total desplante, que não lêem para não serem influenciados. É claro que ler Thomas Mann ou Thomas Bernard (estou mentalmente só na prateleira do Tomazes) é andar sob influência e, acima de tudo, vale mais sozinho do que mal acompanhado. Além disso, o tempo que perderiam a ler enquanto podiam estar a escrever!...

Mas o livro de Passos Coelho não vem à praça pela sua qualidade literária nem por tais motivos foi escrito.
É sobre a mudança em Portugal, ou melhor, sobre a mudança que ele quer para Portugal, a começar pela mudança de cara de beto-já-comprometido mas que ainda tem sorriso de dar-umas-escapadelas para presidente do ppd-psd. No caso dele, é mais psd do que ppd. Se calhar é essa a mudança geracional de que tanto se fala: um rosto mais lavado e que claramente usa melhores produtos de limpeza e o cabelo sem gel e sem caracoletas à futebolista. Enfim, quer ele dizer-nos que deixou de ser pré-candidadto a caloiro (detesto esta palavra, mas aqui dá-me jeito) e passou a pré-candidato a pré-primeiro ministro.
Ok, fica apontado, ou, como se diz e escreve agora, fica aponte. A ponte e o aqueduto.

Outra pré-candidatura que até já é mesmo candidatura, porque ele tem pressa de chegar (e de chagar) é a de Manuel Alegre. Não comento, até porque, como já disse, eu não voto no Bloco de Esquerda.
Ontem estava eu com uma enorme e nada metafísica constipação e num zappanço apanho Marcelo Rebelo de Sousa a explicar ao mundo que, com a candidatura de Alegre, no poder passávamos a ter um triângulo a três e não a dois! Um triângulo a dois?! Terei ouvido bem ou seria do Xyzal? Os efeitos secundários deste medicamento indicam boca seca (mas juro que só bebi água), exaustão, perturbações visuais, etc.., mas não há registo de perturbações auditivas e de marcelites galopantes... Ou terá Marcelo inaugurado uma trigonometria subjectiva fundada no teorema de Marcelo?

Também ouvi asserções inquietantes como “Cavaco está no pós-escutas.”
Isto deixa-me perdida. Não é o paradigma que está perdido, sou eu, caneco!

O que é que se passa? Está tudo na pré-candidatura, candidatura antecipada e no pós-qualquer coisa e ninguém está no momento? Estamos no pré e barra ou pós e nunca no agora e aqui?

É por isso que a política me aborrece. É tudo muito complicado, é preciso seguir todos os episódios da novela que, por vezes, passa longos períodos em que só espreme uma borbulha, outras vezes, enquanto pomos o sono em dia, muda noções que tínhamos desde que olhámos pela primeira vez o azul do céu, e depois vemo-nos gregos e troianos para retomar o fio à meada. Não, é demasiada areia para a minha carruagem — o que quer que isto queira dizer, ou melhor, eu sei o que quer dizer, mas asseguro que não sou traficante de areia.

Além disso, os livros de política não têm bonecos e não há resumos da obra integral.

14 de janeiro de 2010

todos somos maria amélia


Lembrei-me hoje desta senhora, tão de complicada anda a vida.
Também já tive problemas com as torres da Cinciberlândia e remanso (sem eta) em Torres de Moncorvo.

10 de janeiro de 2010

Reviralho argumentativo


Agan Harahap

Depois da pequena pausa para ganhar balanço, com suspiro clandestino:
— Ele não quer é fazer nenhum, sabes?... Estou farto de lhe sugerir empregos, porque o vejo perdido. Há tempos disse-lhe: “Por que é que não vais para instrutor de condução? Tu até conduzes bem...” E logo ele: “Ai não! Isso não, que exige muita concentração e depois tem a parte da mecânica e tudo... Não, não.” De facto, a mecânica é chata. Até lhe disse: “Olha eu tinha um amigo, professor universitário, com doutoramento e tudo que, quando lhe mandaram abrir o capô do carro, puxou pelos primeiros fios que viu e arrancou os fusíveis do carro. Mas tu, pelo menos, sabes abrir o capô do carro, não?” "Bem, isso sei", dizia ele. Mas a mecânica, a mecânica...
Ah, depois esteve como assistente numa loja mística na Figueira e eu vi logo, pela experiência anterior do curso de massagens nos pés, que aquilo não ia dar bom resultado. Bom, não queiras saber: no primeiro dia desistiu, porque disse que não suportava a carga negativa! Chegou a casa a gemer: “Não aguento, não aguento, nem imaginas os problemas que entram por aquela porta dentro! São umas pessoas estranhíssimas que ali aparecem! Não posso, aquilo faz-me muito mal!” Pudera, o que é que ele estava à espera, numa loja mística com uma bruxa que se anuncia como curadora de cancros e vingadora à distância?! Ainda por cima na Figueira! Que depressão!... De maneira que a coisa acabou logo ao primeiro dia. Até que esta semana me lembrei: ele é alto , atlético, tem bom porte, pode tirar partido disso. Então disse-lhe: “Por que é que não vais para Securitas? É preciso pensar pouco para ser Securitas.”
— Ai que horror! Tu disseste-lhe isso? — espanto-me eu, acordando da modorra da ladainha.
— Não! Apresentei a coisa ao contrário. Disse-lhe: por que é que não vais para Secutitas? Aí tens muito tempo para pensar...

De facto o meu amigo A. tem razão: o tempo para pensar ou não pensar é absolutamente voluntário e indiferente enquanto estamos de plantão. Nunca imaginei que a actividade (ou a inactividade) de um Securitas nos levasse tão longe na sinonímia! E na especulação.

Fiquei foi sem saber se o outro, o madraço espadaúdo, seguiu o alvitre.

9 de janeiro de 2010

mi vanidad


já é oficial.
agora só falta encontrar a mulher da minha vida.

8 de janeiro de 2010

vendido!


A crise é grande e o respeito diminuto.
Recebo um mail a anunciar:
"Vende as prendas de Natal que não gostaste nos leilões.net"

Então vou expor na net as ofertas que carinhosamente alguém me ofereceu a ver quem dá mais e bater com o martelo após a última licitação do senhor do chapéu de feltro azul parado numa esquina de Vaduz, donde enviou sms frenéticos de comprador do templo?
Porra, que falta de brio!

Mas o que me incomoda mais no anúncio é o erro de português, essa horrível ausência da preposição, a frase coxa, perneta, estropiada, vinda da guerra da ignorância e do português de porão.
Porra, que falta de brilho!

Penso eu de que.

7 de janeiro de 2010

Mccartismo sexual



Imagem importada de uma dessas coisas modernas que constituem as redes sociais e onde as pessoas estão em directo a dizer o que vão jantar e quando vão à casa de banho para esta coisa antiga que é a bloga.

Como pergunta o Eduardo por que razão há tão poucos gays (deputados ou não) a dar a cara?
Já não digo, com ele, os casados e, acrescento eu, com dois filhos (pelos vistos, marca internacional do gay português na clandestinidade).
E as raparigas? Onde estão elas que só têm amigas e primas em partilha de casa durante 30 anos?
Sem querer estar a empurrar ninguém para a água — que, se para uns é um lago tépido, para outros é o mar alto infestado de tubarões — é constrangedor o excesso de prudência e do "quem tiver pressa que vá andando" de grande parte das figuras públicas portuguesas sobre a sua orientação sexual. Das públicas e das não públicas, diga-se.
Se, pelo menos, isso não significasse MacCarthys enrustidos e esquizofrenias libidinais portas adentro...
Tanto forró por baixo dos panos faz-me lembrar a máxima da D. Hermengarda, explicadora de referência (como hoje se diria) dos filhos da classe média viseense nos anos 60/70:
"As sonsas são as piores!"
Ela, que vivia há 40 anos com a prima do Fundão, bem no sabia.

6 de janeiro de 2010

llorona


nascida nos EUA, vivendo no Quebec, de ascendência mexicana, americana-judio-libanesa, nómada e llorona, morre aos 37 anos de cancro.

"llorando
de cara a la pared
se apaga la ciudad"

3 de janeiro de 2010

Homenagem à Catalunha III



Lembro-me bem da imagem do meu amigo Jordi, catalão, gay, ecologista, germanófilo e lusófono, enquanto íamos pelas Ramblas acima, a caminho da Universidade ou do mercado La Boqueria e das nossas infindáveis conversas sobre a catalanidade e o Portugal tão longe e tão perto e por aí fora, Casc Antic e Raval dentro.
Parávamos num dos quiosques. Eu comprava o El País e ele o Avui. Logo a seguir, mal lhe deitando uma vista de olhos pela página principal, lançava-o no caixote de lixo mais próximo e dizia invariavelmente: “Este jornal é uma merda! Nem leio.” E quando, um dia, lhe pergunto por que o comprava então, ele esclarece: “É a minha militância. A minha única militância.”
Ao que eu: “E não queres dar uma vista de olhos no El País? Ou que eu te diga se há alguma coisa de importante?”
“Não, nunca há. Desde a transição para a democracia que não há notícias. Desde a morte de Franco que não há novidades da fronteira portuguesa para cá. Compro o Avui só para ajudar nas estatísticas de vendas de jornais em catalão.”

Também com o Jordi fui ao festival de teatro de Tàrrega, num Agosto de riadas, chuvadas severas e sol impiedoso típicos do mediterrâneo, pelo menos, daquele mediterrâneo. E estávamos nós numa praça onde havia grande animação, quando vejo o meu amigo a rir e a apontar para o nome da praça. Era a Plaça dels Països Catalans. Até ele se ria do exagero. Os Països Catalans são pomposamente apresentados pelos nacionalistas catalães com o largo espectro territorial que abrange a Comunidade Autónoma da Catalunha, a Comunidade Valenciana (onde se fala muito pouco valenciano), as Baleares, a denominada Faixa de Aragão (Franja d’Aragó, zona oriental de Aragão), o Rossellón francês, Andorra e a cidade italiana de Alger (na Sardenha) onde se fala um dialecto do catalão com origem na ocupação catalã nos finais da Idade Média, embora 80% da população tenha o italiano como primeira língua.
Estes os países catalães.
Não comento. Limito-me a enumerar. E a assinalar que o Jordi ria.
Nos países catalães há subcapítulos como o dos espais gallecs.
E foi da Galiza que trouxe também um outro mapa da dissidência linguístico-política. A dos países celtas: Alba, Eire, Mannin, Cymru, Kernow, Breizh, Galiza e Asturies. Traduzindo: Escócia, Irlanda, Ilha de Mann, País de Gales, Cornualha, Bretanha, Galiza e Astúrias. É fácil: todas as terras onde apareçam druidas ao virar da esquina.
Nós, portugueses monolíticos, monolingues e todos vestidos de azul marinho e preto, é que julgamos que as fronteiras são as que vêm nos mapas.

Uma coisa é certa. A Espanha não existe. Sei-o porque vivi lá.

Homenagem à Catalunha II


E por falar em exageros ou pequenos descuidos. Ou lapsus oeconomicus.
Esta caixa de esmolas com indicação assisada do donativo-base esteve longamente na catedral de Barcelona. Não resisti ao registo.
Lamento a má qualidade da foto, mas foi antes da digitalização do mundo e arredores.
Transcrevo porque se vê mal:
CATALUNYA CRISTIANA
Donatiu suggerit
225 ptes

Do que eu gosto mais é do esclarecimento do Catalunha cristã.
O meu amigo A., muito dado ao excel, diz que era para facilitar as contas ao fim do ano.

Homenagem à Catalunha I — Els catalans no tenin rei




Don’t get me wrong, como diz a música, mas há muito que ando para enviar um recado aos meus amigos catalães.
É desta.
Sinceramente acho que vocês são um bocadinho exagerados.
Bem sei que somos todos latinos e fazemos umas figuras de opereta a propósito por um “passa-ma aí o sal”, temos paixões descabeladas e nos contorcemos em argumentações de alto teor de adrenalina até provar que a nossa mãe é o nosso pai (a bem dizer, hoje isso não é assim tão mirabolante) ou que o nosso gato escreveu os sonetos de Shakespeare, mas vocês, catalães, ganham-nos aos pontos. Desconfio que só os italianos vos conseguem superar. Mas, já se sabe, os italianos detém as medalhas olímpicas de tudo quanto é disparate, radicalismo e bom gosto na Europa.

Há já largos dias (13 de Dezembro) pudemos ler os títulos a toda a extensão: “94,71% dos catalães votam pela independência da Catalunha!”
O meu amigo A. telefonou-me logo a comunicar a notícia como se a Península Ibérica se estivesse a esboroar.
Eu desconfiei. Porque conheço alguma coisa da Catalunha, ou melhor de Barcelona, conheço um pouco da mentalidade retorcida e persistente dos catalães e, apesar da casmurrice que os caracteriza, sei que, no geral, não querem independência coisa nenhuma. Querem é chatear. Chatear Madrid, obviamente. Madrid, essa cidadezita recente e inventada à força, essa capital de coisa nenhuma – como já ouvi muito catalão referir-se-lhe do alto de um desprezo alcatifado nas barbas venerandas da sua verdadeira capital – Barcelona.
Fui informar-me e verifiquei que dos 946 municípios da Catalunha, 166 deles tinham realizado um referendo ad hoc, experimental e não vinculativo (vulgo, uma maneira de matar o tempo em locais onde não se passa grande coisa e o pessoal se conhece mais ou menos todo de vista) e nestes 17, 54% de municípios, dos 700 mil eleitores que poderiam votar, 30% fizeram-no e destes ainda, então sim, 94,71% votaram a favor da independência da Catalunha. Pelas minhas modestas contas, e sendo os catalães 7 milhões e picos, isto equivale a 3% do people (ou da gent). Não é exactamente 94,71% dos catalães. É só um bocadinho ao lado.
Poderíamos dizer que uma notícia destas deveria ser verificada pelas nossas agências de informação, que os jornais andam pelas ruas da amargura, que os títulos em rodapé das TVs fazem mais rombos na informação do que qualquer miniatura do Duomo contra o colgate de qualquer cavaliere. Tudo isto é vero e tristemente vero. Mas aqui o busílis não é só nosso. É de lá. É até muitíssimo de lá.

Em rápida pesquisa na net leio que o vice-presidente do Governo Autónomo da Catalunha, Josep-Lluís Carod Rovira, sustenta, sem pestanejar, que Espanha ainda não assumiu ser Portugal um estado independente. Ou seja, o número dois do executivo catalão ainda não recebeu a circular de Madrid a reconhecer a independência de Portugal. Pelo tom da indignação de Rovira parece que no Palau de la Generalitat estará um funcionari públic destacado para receber esse correio urgente desde... 1640! Já tive atrasos de um mês no correio vindo de Espanha, mas este torna-se um caso de polícia, ou melhor, de Mossos d’ Esquadra (aqui pra nós, os únicos homens bons da Catalunha). Bons nesse sentido de bondade em que estão a pensar.

Clama Rovira pelo apoio de Portugal para o projecto de independência da Região Autónoma cujo referendo propõe para 2014. "O que menos interessa a Portugal é uma Espanha unitária"— assegura, oferecendo-nos, de bandeja, mais uma frente de combate como se já não tivéssemos, dentro de portas, chatices que cheguem e sobrem para esta década.
E esclarece: "A Catalunha é como Portugal mas sem os Restauradores". Pois, só com o Rossio. E a rua da Betesga como brinde.
Referindo-se aos acontecimentos de 1640, afirma que "se as coisas tivessem sido ao contrário, hoje Portugal seria uma região espanhola e a Catalunha um estado independente". Bom exemplar de revisionismo histórico género vox populi — “se a minha avó tivesse tomates era o meu avô”.
Josep-Lluis Carod Rovira garante ter "muitos aliados internacionais", mas recusa-se a aprofundar o assunto para não dar "pistas desnecessárias". Claro, é coisa do mais alto secretismo. É por isso que ele vem para os jornais levantar a lebre.
Considera que "os processos de independência passam por três fases: ridicularização, hostilidade e aceitação. Neste momento, estamos entre a primeira e a segunda". Permito-me levantar a hipótese académica (só académica e muito hipotética) de ele ser o grande timoneiro da primeira fase deste metamórfico processo.
É curioso que para uma questão tão importante seja proposta uma data ainda distante. Rovira não perde tempo e apresenta três sólidas razões: em 2014 "assinalam-se os 300 anos sobre a data em que Catalunha perdeu a condição de Estado"; em segundo lugar, porque termina o investimento em infra-estruturas, previsto no Estatuto de Autonomia da Catalunha, pelo executivo espanhol; e finalmente, porque em 2014 acabam as ajudas do Fundo de Coesão Europeu. Ou seja, as três razões são duas: uma de carácter histórico-nostálgico e duas de carácter económico-nostálgico, em latim vulgar, acabou o dinheiro, ala que se faz tarde, tenho que ir andando que tenho um javali ao lume. “La pela es la pela”.
Por fim, a nata do creme com cereja em cima da mayonese: no seu gabinete da Generalitat, Carod Rovira tem uma fotografia com o ex-presidente da Câmara de Lisboa, João Soares. Mas esta não é a única nem a menos lacrimosa referência a Portugal já que utiliza o menu do telemóvel em português e um cartão de visita bilingue: em catalão e em português, pasme-se!
Que seria de nós sem esta catalanic connection? Onde iríamos nós parar como destino, povo, identidade, com a nossa consabida fragilidade ôntica, com a mudança intempestiva dos horários da CP, se não fossem visionários deste calibre que só pelo simples acto cívico de terem o menu do telemóvel em português e pela glória de ostentarem uma foto de João Soares sobre a caliça do reboco, podem mudar a geografia política da Europa e, o que não é menor empresa, deixar Eduardo Lourenço e Boaventura de Sousa Santos a jogar à sardinha na fila de espera da Segurança Social?

É o que vos digo: temos homem, temos estadista. Embora ele nos esteja aqui a arranjar um caldinho com o governo de Madrid, é por uma boa causa e só podemos estar-lhe agradecidos. É que até pode significar a devolução de Olivença, se virmos bem a coisa.

Ps: como de costume, Saramago discorda da ideia. Não me espanta. Saramago tem sempre que dar nas vistas. Opina ele que não senhor, que Espanha encara Portugal como um Estado independente! Mas o que é que ele sabe se vive fora da Península Ibérica, praticamente em frente ao Cabo da Boa Esperança?!

1 de janeiro de 2010

primeira lionxa da década


Lygia Clark

Entendamo-nos: não arremeto contra o cidadão-escritor Adolfo Torga Coelho pela uso particular das sibilantes. Todas as pronúncias são importantes. São o sal da língua. Pode-se gostar ou não, galhofar ou enaltecer, pode-se alisar ou manter em lume brando esta ou aquela pronúncia, mas, pelo menos, enquanto temos registo da variância, temos o condimento à mão. Pena é não se saber como falava Camões ou Gil Vicente ou até o Padre António Vieira que se foi há dois dias...
O que me provoca urticária no padre Torga é a atitude (a postura como agora se insiste em dizer, como se fôssemos galinhas poedeiras). Atitude de carrasco, como ele diz contentinho consigo mesmo, que rapidamente perde o falso brilho épico que sempre se auto-atribuiu. Logo por baixo do carrasco espreita o carrascão.
Dou a palavra a outro grande mal disposto da nossa literatura — que também não há-de perder pela demora, num dia em que me ache mais pacchorrenta.

"Melo, 30 de Agosto
Torno ao Miguel Torga que só quero conhecer dos livros para o detestar à minha vontade. Agora é o iberismo. Esta coisa de pôr a desgraça, as misérias em pé de simpática beleza, só por abuso de poetas. Pelo que saco de Miguel Torga o iberismo é uma mixórdia de pederneira, bruteza e casebres da Beira ou Trás-os-Montes. A gente desprevenida vai julgar que o regionalismo, o nacionalismo são árvores para podar, para robustecer no que é são e útil e liquidar impiedosamente nos galhos impertinentes ou prejudiciais. Para Miguel Torga, não senhor. Um Tobias a atirar foguetes na romaria do Senhor da Serra, um povo ignorante a rosnar ladainhas tudo é bom e ibérico do rijo. Afinal isto de iberismo é um caso que se resolve facilmente no rabo de uma enxada ou num caldo de couves comido à porta de uma cabana.
Diabo, aliviei."
Vergílo Ferreira, Diário Inédito.

Este extracto é de 1948/49. Vergílo Ferreira apercebe-se muito cedo do que muitos insitem em não ver ainda hoje. Claro que mais ou menos todos podemos ser bons profetas em terra alheia e em casa de ferreiro espeto de pau, mas não deixa de ser verdade que água mole em pedra dura, tanto mói até que fura.
Capisce?