31 de dezembro de 2009

maria lionxa: a síntese do ano


Como sói fazer-se balanços, balancetes e balancés nesta época de stress acrescentado e como já nem tempo tenho para inventar receita alternativa à míngua do manjericão prá janta que vai ficar condimentada a chocapic se é que não querem ver, aqui deixo o que me chegou como mostra do Portugal ápico-alveolar profundo. Não, na verdade é mais complexo do que isso, é uma sibilante outra: é o Portugal-fricativo-sibilante-apical-palatalizado-profundo.
É a síntese do ano: a Maria Lionxa é a xíntexe de todax ax mariax leonxas que há em Trás-os-Montes, em Portugal, no Brasil e no mundo! Toma qué prá Via Láctea não se ficar a rir de nós. A questão deixa de ser: haverá vida em Marte, mas sim, haverá Marias Lionxas em Marte?
Realmente...

Com tanta graduação de verismo e com tal alcoolémia de síntese, até dá vontade de ser telúrico.
Nanja eu...

26 de dezembro de 2009

multi ópticas


Humor para a consoada do jornal Público (P2, 24 de Dezembro):

"Precisamos de um projecto formador para Portugal. [...] O que implica uma visão. Precisamos de uma visão para Portugal."
José Gil, Visão

23 de dezembro de 2009

e terna idade


O Noddy fez anos.
60 anos!
Mas o que é isto?! Como é que ele pode ter aquele ar de 5 anos aos 60?!
Será que caiu no caldeirão do Crème de la Mer quando nasceu?
É que nem a Sharon Stone!
Ou nunca terá saído do Crème de la Mère?

E o carro amarelo? Sem uma amolgadela, sem uma ida ao mecânico?!
Qual é o stander onde se vendem estes veículos de sonho?

Já o Orelhas anda a ficar com umas rugazitas de expressão, ultimamente.
É dos radicais livres da floresta.
A natureza não faz muito bem à pele, é o que eu digo...

nós, os info-excluídos do pedagogismo


O staff que está no back office não sabe usar a língua mãe e recorre a termos que deve achar caros e eloquentes como usabilidade e a frases prenhes de conteúdo (com pelo menos nove meses de conteúdo) como “o professor passa a ser um facilitador de interacções”. Riscar discretamente a acima invocada palavra ‘eloquentes’ – tem mais de três sílabas e vem no dicionário, ferramenta em desuso lá por aqueles lados.
Um deles acaba de passar noventa minutos a não dizer nada e a mostrar um curriculum vitae em power point onde exibe os hobbies de sua eleição: pintura a aguarela de pasteleiro e criação de cãezinhos com ar de pantufa mas sem jornal incluído.
Tudo muito informático, ridículo e nós-com-isso.
É esta gente que julga que vai ensinar os que já leram os clássicos e demonstrar-lhes que andaram a perder tempo com tal bizarria.
É uma gente que nunca será capaz de ler um livro com mais de duzentas páginas porque não tem bonecos nem écran.

Desenha duas esferas concêntricas para mostrar (só sabem demonstrar, mostrando) que tudo isto é construção do conhecimento. Tudo isto é triste, tudisté fado.

Apesar de preferir ler os clássicos, também já pratico o “facilitador de interacções”. Quando tenho uns textos chato-didácticos, peço aos alunos para os apresentarem e assim leio em diagonal enquanto eles power-põem. É um descanso com o facilitador de interacções. É como com a máquina de lavar roupa. É só sentar e ver o filme da centrifugação.

Mas isto já tinha um nome muito antes do e-fucking. É o método-Tom-Sawyer-de-pintar-a-cerca-da-tia-Polly. Já que não tenho vontade nenhuma de a pintar, vá de dar a entender que é tarefa divertidíssima. Haverá logo quem a queira desempenhar com afinco e eu fico a assistir ao serviço a ser feito por outros.
Mas isso não vinha num power-põe. Vinha num clássico. E sem estratégia de ensino-aprendizagem (a não ser a esperteza de Tom), nem avaliação de desempenho ou mapeamento de competências.
Felizmente para o Tom Sawyer, se não ficava sem tempo para as tropelias com o Huckleberry Finn.

O que é preciso é inter-agir.
Também dá jeito o inter-cidades (caso não haja alfa-pendular).

21 de dezembro de 2009

heróis do mar


Na semana passada julguei (erradamente) que se estava a anunciar o fim nunca à vista do cavaquismo com a notícia bombástica: MAIS BACALHAU, MENOS TAMBORIL!
Toda a gente conhece o tamboril, peixe trombudo e disforme como o monstro de gelatina e banha que dá a partida de Pod Racers em Tatooine. (Refiro-me ao episódio I de Star Wars, para os que não apreciam). Essa placenta nadadora surgiu nas nossas ementas durante o cavaquismo, tal como aconteceu com as delícias do mar — derivado de esferovite com essência de restos mortais de caranguejo prensado já em avançado estado de decomposição.
O tamboril é publicitado como fazendo parte da gastronomia tradicional portuguesa.
Pura e, já que estamos com as mãos na massa do cavaquismo, rotunda mentira. Na Cozinha Tradicional Portuguesa da Maria de Lourdes Modesto, a bíblia da cozinha nacional, o tamboril nem aparece mencionado, no clássico Tesouro das Cozinheiras da Mirene, onde há capítulos inteiros dedicados aos peixes mais importantes da nossa gastronomia como o aristocrata robalo, o o’neilliano cherne, o afrancesado linguado, mas também os mais populares solha e solhão, não há uma única referência ao focinhudo e viscoso tamboril. O tamboril é peixe cavaquista tal como as delícias do mar são o prensado cavaquista. Sem ofensa para a esferovite. Em qualquer dos casos, eu prefiro comer esferovite.
Só para arrumar com o tamboril para o inferno, deixem-me dizer-lhes que é um peixe que vem dos fundilhos do mar (daí ser disforme), reproduz-se por larvas (berrg!) e é usado em pratos com semelhanças de família e designações no plural que apontam para o conceito genérico e também ele disforme de salgalhada como arrozes, massadas, caldeiradas, caris e guisados, isto é, uma cozinha que é basicamente deitar tudo o que há para dentro do tacho e deixar apurar, ou seja, ir ver se chove, dar uma volta ao bilhar grande e voltar. É aquele lado da nossa cozinha em que é tudo ao monte e fé no esturgido. Resulta muito bem com bons e seleccionados produtos, vindos directamente da horta, da lota ou do fio da navalha do talhante (ó crueldade, ó papilas gustativas!), mas, no geral, mostra pouca imaginação e dá origem a tachadas que parecem querer fazer a reciclagem de tudo o que havia no frigorífico e com isso alimentar um regimento quando havia quatro pessoas para jantar.
Para os leitores que têm mais limitações lexicais, isto é, que falam dialectos centro-meridionais, adianto que esturgido é refogado e, já agora, que a tampa da panela ou do tacho tem um nome: testo. Não é texto. Era bom, mas nem tudo pode ser literatura.

Pois na semana passada, foram aprovadas as quotas para a pesca na UE e foi com grande alegria que ouvi um destes dias o António Esteves Martins anunciar que Portugal saía escorreito e recomposto dessa negociação, com quotas mais favoráveis e um futuro gastronómico mais risonho. Deixem-me só fazer aqui um parêntese que começa com dois pontos: o António Esteves Martins é aquele jornalista que está sempre nos locais mais enfadonhos da administração europeia e que sabe sempre de tudo em primeira mão. Mas é que sabe mesmo!, não estou a brincar. Ou melhor, ele é que não brinca em serviço. Fala sobre os mais variados assuntos debatidos e legislados na UE: sobre desporto, política internacional, linguística gerativa (se for mesmo inevitável), conflitos nos subúrbios, programas de apoio ao sexo na terceira idade nos países onde o inverno dura 11 meses (agora que o clima está a aquecer), sobre o quinquagésimo terceiro referendo do ano no mais recôndito cantão suíço e por aí adiante... Tudo o que diz é estudado e está fundamentado, é coerente e bem explicado. E faz isto há largos anos. Acho que ainda nem existia a Europa quando começou. Confio totalmente no que ele diz.
E dizia ele com um grão de irreprimível alegria na voz, o que não é habitual nele, sempre muito profissional, dizia ele que Portugal vai poder aumentar as quotas de pesca do bacalhau, da pescada (outro peixe fabuloso e paradoxal), do biqueirão (que é muito melhor do que a anchova, porque o biqueirão vem do mar e a anchova vem da lata) e da juliana (nunca travámos conhecimento, mas só pode ser boa pessoa porque é da família da faneca).
Sofreremos, no entanto, uma triste redução das quotas no que respeita à solha (peixe que me irrita um bocadinho com aquele ar de sou-quase-linguado para, quando chega a hora da verdade, apresentar um banal sabor... a solha – um caso de pé que vai acima do tamanho da sua chinela), o badejo (baixa lamentável a de este primo da pescada e do bacalhau), a sarda (peixe cujas referências sexuais não devem ter passado despercebidas aos burocratas cinzentões de Bruxelas), o linguado (idem a que acresce o pedigree do bicho ou da bicha, como quiserem) e o lagostim (outro pedante: sendo o nome vulgar de uma das espécies menores de crustáceos, põe todo o tipo de dificuldade em se deixar devorar a ponto de nos vermos tentados a pedir um black and decker para o conseguir).

Muito mais me afecta a limitação de pesca do carapau, restrição que felizmente se conseguiu atenuar em relação ao que estava inicialmente proposto. Sim, pergunto eu, o que seria de nós sem o belo e quanto mais pequeno, mais jeitoso e saboroso carapauzinho?

A grande alegria é a redução mais drástica do tamboril que espero continuar a ver em queda. E, com o seu declínio, que o cavaquismo morra de vez. Gostaria muito de deixar de ver cabeças grotescas à minha frente. Essas duas pelo menos.

Ainda não é o paraíso piscícola, mas parece que começamos a sair do rescaldo da “Guerra da Palmeta”, recordam-se? Idos de 1995.

Uma só coisa me inquieta nesta nova ordem.
Ninguém fala da faneca.
Vocês vêem futuro para um país que escamoteie a questão faneca, numa era pós proibição do jaquinzinho?

20 de dezembro de 2009

Ca-gay


Não vou falar do casamento gay.
Não tenho nada a dizer.
Mas não é pelas mesmas razões que Cavaco invoca. Não é por aquele velho esquema do “nem sou de direita nem de esquerda” invariavelmente traduzido em “no fundo, sou de direita, mas envergonho-me”.
Não tenho nada a dizer sobre o casamento homossexual, porque já está tudo discutido.

Pois se a única vez que me casei foi com um gay...
E quase no tempo do Conta-me como foi.

Com heterossexuais é que não penso casar-me.

15 de dezembro de 2009

índios e cowboys: uma história alternativa


A bem dizer, mais índios e menos cowboys.
Ou pré-candidatos a cowboys assimilados.
Pelos índios, obviamente.

Música de NEIL YOUNG, caso se tenham distraído.
Só faz efeito com o som no máximo.

14 de dezembro de 2009

l'italietta


sarà culpa di youtube, che é comunista!

decorama



13 de dezembro de 2009

Chiça! (do alemão "scheisse")


Referência bibliográfica:
Pierre BOURDIEU, Ce que parler veut dire - L'économie des échanges linguistiques, Paris, Fayard, 1982.

12 de dezembro de 2009

tropicalismo camoniano


Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
[...]
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim

Caetano Veloso, 1984.
(Não resisto a transcrever as passagens mais camonianas do poema)

Estou presa no meu escritório com todas as dificuldades, alçapões e barreiras possíveis da língua portuguesa.
Calha a todos. Até ao Chico Buarque.
Não há muita gente que tenha um dicionário na família - e um GRANDE dicionário.
E mesmo esses tropeçam, entopem e gaguejam.

Vou continuar.
Acreditem que também eu estou dando tudo de mim.

Bem, quase tudo.

young at heart





YOUNG AT HEART
(Richards/Leigh por Francesco Alberto Sinatra, 1953)

Ficava longo tempo na sanita tentando desprezar a preocupação. A preocupação chamava-se intestinos. Afastava-se da dor, curvando-se ligeiramente sobre si mesmo e fixava um único azulejo do chão sem desviar o olhar um milímetro. Era o truque para se abstrair do sítio onde passava tantas horas. Fitar de forma intensa um dos quadrados ao acaso e nunca vacilar nesse esforço. O azulejo distendia-se um mícron, prestes a ser pulverizado com a intensidade do seu olhar: a visão laser dos super-heróis. Este pensamento fazia-o sempre sorrir. Um super-herói trespassado pela dor de barriga como uma criança antes de subir ao palco na festa de Natal. Fazia descer o laser até ao chão e afagava levemente a superfície gasta de vidrado baço. No momento seguinte, se a sua mega força mental o decidisse por um simples capricho, podia desfazer o azulejo em pó. Nunca o fazia. Ficava satisfeito com a possibilidade e com o requinte snob de a rejeitar. Na verdade, desistia porque, mesmo mentalmente, daria demasiado trabalho. Precisava da imaginação para algo mais imediato mesmo num super-herói: a sobrevivência. A sobrevivência à dor. Mas teria bastado querer — pensava num sorriso muito mental e já longínquo. É a vantagem de estar sozinho e ter o tempo por sua conta: pode-se fazer tudo sem na realidade mexer um dedo.
“É o destino”, pensava, “esta coisa do pó é o destino de todos. Mesmo para os azulejos.”
Nesse acto hipotético de destruição era como se fulminasse a dor e deixasse de a sentir. Ultimamente os azulejos escolhidos eram quase sempre os mesmos. Não por delito de fantasia, mas por todos eles serem feios, de um cinzento-tristonho que começava a indiferenciá-los numa tonalidade mortuária e pastosa.
E também por outra razão, a profunda, a verdadeira parte épica do ritual: a música. A aventura microscópica coincidia com uma expansão dentro da cabeça que o lançava pelo espaço fora. Enquanto olhava para o chão sem olhar para o chão, ouvia sem parar discos antigos, vinis que tinha guardado com tanta dificuldade, de país em país, de casa em casa, de família em família. Ouvia-os incansavelmente num som perfeito, menos puro mas mais límpido do que o dos cds. A música era finalmente integral naquele som com pequenos estilhaços que se ouviam, advinhavam e sobrepunham. Sentia o deslizar da agulha e a intensidade, largura e duração da música eram mais profundas e vastas do que a gravação inodora dos cds. Como um sulco de unhas afiadas na pele morena. Era a perfeição do passado com os instrumentos do futuro. Os filhos e netos tinham arquitectado um sistema de som que combinava um novíssimo gira-discos a funcionar à maneira antiga com a limpidez da nova tecnologia quase invisível, apenas a necessária para limpar os discos dos maiores desperdícios do tempo. Era um som que vinha do passado que ele ouvia melhor, agora que sabia mais de tudo e via a simplicidade do fim da vida. Os auscultadores hi-tec isolavam-no do resto do prédio e ofereciam-lhe uma festa contínua. Ouvia discos antigos e sorria pela noite dentro sem cansaço, sem o sono que o atormentava todo o dia como uma doença.
Sorria e ia morrendo antecipadamente.

9 de dezembro de 2009

as manhãs do eterno nada


©Luke Butler, Captain XII, 2008

(agora e sempre, Patrícia Highsmith)

para ele, que fugira de Nova Iorque cansado de vigiar o táxi onde caíam selvagens e anjos, os animais decifráveis da filosofia eram mais doces do que os animais enigmáticos da poesia.
era só isso — pensava, enquanto caía da ponte.

7 de dezembro de 2009

deslinguística aplicada


©Luke Butler, Chekov II, série Enterprise

Não conseguia falar quando mais precisava.
Não articulava sons entalados na garganta, enquanto no cérebro trovejavam imagens que eram ideias que eram sequências fónicas que eram impulsos que era uma sexualidade branca.
Lívida.

Era a angústia da fluência.

1 de dezembro de 2009

Como os Monty Python leram Wittgenstein



Preparo aulas sobre assuntos de que me recuso a tratar e desvio descaradamente para as relações entre o pensamento e a linguagem.
E, claro, volto a Wittgenstein. Não que tivesse de lá saído. Quem leu dois livros de teoria literária sabe que dali não se sai com a facilidade de quem perde a chave do automóvel e vai a correr à procura da sobresselente.
E, no entanto, não posso deixar de me admirar com a ingenuidade de Wittgenstein. (Já que estamos com as chaves na mão, valho-me da metáfora a que também serve a luva ou a serralharia Yale). Procurava ele, Wittgenstein, uma chave que resolvesse todos os problemas filosóficos. Para além do espanto perante a enormidade da empresa, tal pretensão faz ressoar ideias inquietantes como a da solução final — só a expressão provoca calafrios, mas isso não podia ele saber. Ou podia?
Wittgenstein é considerado, com toda a justiça, um filósofo moderno. O seu aspecto sexy reforça-lhe o epíteto e podemos dizer sem hesitações que Wittgenstein é o filósofo moderno.
Mas neste seu pleito de totalidade não dista muito da ingenuidade mais arcaica do sisudo e prussiano Hegel. Ainda que quanto a arcaísmos mais ou menos cândidos, como sói dizer-se, Hegel seja o nosso Platão.
Admiram-se as pessoas (quer dizer, as 10 pessoas que pensam nisso) que Hegel tenha querido dar uma explicação total para o funcionamento e para a história do mundo. O que é mais prodigioso é que o conseguiu, todos o usamos e não se vê em lado algum. Na verdade, Hegel não criou nada de concreto, o seu pensamento é uma bactéria que fagocitou os outros organismos e lhes deu vida ordenada. Criou uma espécie de GPS do pensamento.
Um século e alguns Napoleões depois, Wittgenstein não se coibe perante a mesma tentação do todo.
Talvez seja aquela indomável vontade dos sábios que os leva a arregaçar as mangas e a dizer “vamos lá a ver se resolvemos isto de uma vez para sempre”. Será questão de vontade e de organização. Mas quando ouvimos falar da indomável organização austríaco-alemã, ficamos sempre apreensivos.
Por outro lado, não podemos imaginar que Hegel e Wittgenstein fossem assim tão ingénuos. Na verdade, trata-se da questão do próprio corpo da filosofia. Do corpo e do método.

Arquimedes dizia que poderia mover o mundo se lhe fosse dado um ponto no espaço capaz de lhe servir de fulcro a uma alavanca suficientemente longa. A filosofia quer esse aparente totalitarismo, esse transcender o pensamento e a experiência de modo a encontrar um ponto a partir do qual o mundo possa ser visto como um todo. Quer um aleph. O aleph é uma criatura de ficção científica de J.L. Borges que figura um Big Bang retrospectivo, um Big Bang da História.

Abro aqui uma nota de rodapé sem roda e sem pé, parando um momento a pensar em Arquimedes. Porque Arquimedes era um homem extraordinário. Para além de ter descoberto o método para calcular o número π que eu, infeliz e totalmente desprovida de pensamento matemático, vislumbro nebulosamente como uma enteléquia mais distante do que a nebulosa de Orion, Arquimedes acreditava que nada do que existe é tão grande que não possa ser medido. Parece-me um dos homens mais optimistas de sempre, mas claramente, não viu o sktech dos Monty Python sobre o universo em expansão. Detém ainda o record mundial e provavelmente eterno da capacidade de concentração: Arquimedes foi morto por engano por um soldado romano durante a Segunda Guerra Púnica, cerca do ano 212 a.C., apesar de os soldados terem ordens explícitas para o defenderem, já que Roma tinha por ele enorme admiração. Diz-se que quando as legiões romanas invadiram a praia de Siracusa, encontraram um velho senhor desenhando círculos na areia. Sem imaginar que seria o génio matemático Arquimedes, assassinaram-no quando ele recusou obedecer às ordens militares, porque não queria ver perturbado o raciocínio que seguia naquele momento. Eu que, quando sou importunada a meio de uma frase que, de certeza, não mudará o mundo, fervilho em instintos assassinos, pasmo sem limites perante alguém que se deixa matar para não interromper o curso do pensamento. Antes morrer do que mudar de assunto: agora que não me dá jeito nenhum a pausa pró kit kat. Tal qual.

Este aparte sobre Arquimedes provavelmente não serve para nada, mas deu uma certa cor local e levou-nos à praia de Siracusa, onde, algumas galáxias depois, o general Patton queria ter desembarcado antes do rival britânico Monty (não Python, mas Montgomery, general Bernard Montgomery).

Tudo isto, porque não sei que dizer amanhã sobre as estratégias de ensino-aprendizagem de seja-o-que-for. Na verdade, sei mais sobre a gripe A do que sobre qualquer estratégia desse teor. Para estratégia, o melhor é ler os clássicos e as várias narrativas da campanha da Rússia ou mesmo falar com o general Patton já que ele deve andar por aí, pois acreditava na reencarnação.

(À SUIVRE...)

(...se houver condições)