5 de junho de 2009

h h, poeta abstruso (ou obtuso?)




Recebi ontem o seguinte mail:

“Assunto: importante, algo importante perdido, por ler.
Venho por este meio comunicar a toda a comunidade [...],
que um livro foi perdido:
características:

- de Humberto Helder, poesia
- preto
- mais ou menos 600 paginas.

peço por favor, que caso encontrem esse livro, o deixem na recepção.
J. L.”

Como calculam, fiquei muito perturbada com esta mensagem.
Quem será este poeta já com 600 páginas editadas, de negro vestido, e a quem alguém, com mais sorte do que eu, deitou a unha numa distração incauta do proprietário?
Há tempos, tive uma aluna que me falava num outro poeta que poderá ser parente deste. Era o Herberto Hegel, poeta difícil, muito dado à fenomenologia da menstruação e ao empréstimo da salsa à vizinha.
Agora, o Humberto...quem diabo será o Humberto Helder?!
O que é extraordinário é que se escreverem Humberto Helder no Google, aparecem-vos várias entradas com este nome associado a um outro, o do também poeta, e também fixado na menstruação e na salsa, mas sem dialéctica e sem vizinhas. É ele um tal de Herberto Helder. Mas deste não se apanham os livros, porque esgotam antes de chegarem às livrarias. E, já que andam juntos, não serão estes mais dois messias com vidas paralelas como as de Cristo e de Brian?

Mas há ainda outras hipóteses: não estará o perdedor do livro equivocado e, já que o descreve como volumoso e escuro, não poderá este ser de Herberto Pimenta? A sua Obra Quase Incompleta é anafada e com capa de fundo negro (embora tenha um boneco).
Ou poder-se-á tratar de um poeta cacofónico e semi-óptico como Herberto Eco?

Como vêem, não é fácil desembaraçar este novelo.
Eu fico-me por uma solução silogística. E assim:

1) Se temos agora um Humberto Helder;
2) e já tínhamos um Herberto Hegel;
3) então, na rifa, sai-nos um inevitável Humberto Hegel.

Um amigo contou-me há anos ter tido uma revelação deste teor quando leu num exame que “segundo Aristóteles, uma das funções da tragédia é catar-se”. O meu comentário bronco, na altura, foi apenas o de “É a tragédia e o quitoso.”
Só mais tarde me apercebi da profundidade desta asserção e da tendência que já apontava para um neo-neo-aristotelismo. Se os neo-aristotélicos de Chicago retomavam intencionalidades e plots, este discente neo-neo-aristotélico vai ainda mais longe e defende claramente um retorno aos instintos mais profundos da nossa biologia.

E agora vemos o surgimento dos neo-neo-hegelianos. (Há ainda os neo-botânicos, mas isso fica para outro dia.)
Pois eu estou em crer que este jovem neo-neo-hegeliano acredita seriamente na marcha vitoriosa do espírito contra o mundo, neste caso contra o gesto habitual do “Achei, é meu!”

Só espero é que quem encontrar o livro o leia. Que, pelo menos, leia o nome do autor, para finalmente sossegarmos. Sim, porque eu já passei esta inquietação a outros: há que sofrer com. Ou seja, com compaixão. Sofrer ponto com.

Esta investigação filosófico-bibliógrafo-detectivesca teve o apoio, ao telefone, de um dos nossos sponsors – Luís Manuel Gaspar.

2 comentários:

MaJ disse...

Mensagem do sponsor:
Um livro assim tão volumoso e preto não será antes "O Medo" de Um Berto?

mariantonia disse...

E a fotografia? É do Ruy Humbelo?