Volto às edições e àqueles seus calcanhares de Aquiles.
Vejamos o último David Lodge, Death Sentence/A Vida em Surdina. Grande livro como todos os de Lodge.
Desde há uns anos, correspondendo mais ou menos aos seus 60 e poucos e ao começo do século XXI, Lodge tem deslizado da ironia céptica para uma nostalgia ainda céptica, de sorriso semi-amargo. Envelhecer é perder a força e é preciso muita para nos mantermos à tona do cepticismo. Ainda se ri de si próprio, mas encolhe os ombros e segue em frente de mansinho. Deixou de brincar com as perversões dos académicos da literatura, a diversão no campus à custa de rivalidades, mal entendidos e sexo mais ou menos ilícito interessam-lhe menos, como se dissesse ‘chega de amadores, vamos ao que verdadeiramente importa’. Quer agora os profissionais, aqueles que lhe moldaram a casa por onde sempre circulou à vontade. Daí o excelente livro sobre Henry James, Autor, Autor!, talvez surpreendente para aqueles que só conhecem Lodge como romancista. É um James secreto, quase alternativo a si mesmo, um Henry James que se interroga “até onde se pode ir?” na sua vida solitária e falsamente atapetada, o mesmo James que foge do ruído do mundo e que vemos ali, sob a batuta de Lodge, ávido do calor das palmas do teatro. Como diz o próprio Lodge de forma sintética e sem olhos embaciados “Autor, Autor! é uma elegia”.
A este livro de 2004, segue-se The Year of Henry James (2006), cujas primeiras cem páginas constituem um livro sobre o livro anterior, oferecendo-nos a história sobre a génese, composição e recepção dessa ficção biográfica do Mestre, processo especialmente conturbado pelas desdita e rivalidade que parecem ter saltado do infortúnio jamesiano como dramaturgo para o infortúnio do livro de Lodge, antecedido em meses pela também bio-ficção de James por Colm Toíbín, para além de outras tantas investidas no universo do autor de The Turn of the Screw nesse ano de febre jamesiana.
Vem isto a propósito do tom dos últimos livros de Lodge e vinha isto à baila ao referir-me a Death Sentence também ele atravessado por uma tristeza sorridente e pálida, elegante e íntima como uma beleza nórdica. É uma forma de Lodge nos dizer que está a sentir-se envelhecer. Não parece ser um drama, mas não é divertido. Sejamos francos: nunca é divertido para ninguém e, quem diz o contrário, mente. Se calhar até acredita no que diz, mas acreditem que estão a mentir. Ou então não estão a envelhecer. Ora, Lodge não mente. Já nos habituou a isso. É um católico num meio anglicano, admirador de Graham Green, com menos espionagem e menos almas dilaceradas, mas ainda assim sério, apesar do seu apurado sentido de humor. Ao sentir o peso da idade, deixa-o pairar nos tons maneiristas deste seu último romance. A Vida em Surdina é um grande romance sobre o envelhecimento, paralelo ao admirável livro de contos de Julian Barnes A Mesa Limão (2004) e a alguns contos de Patricia Highsmith, se quisermos falar de textos não paternalistas sobre o limite de idade.
Que estou como o outro que não chegou a velho: "Envelhecer sim, mas devagar!"
Vejamos o último David Lodge, Death Sentence/A Vida em Surdina. Grande livro como todos os de Lodge.
Desde há uns anos, correspondendo mais ou menos aos seus 60 e poucos e ao começo do século XXI, Lodge tem deslizado da ironia céptica para uma nostalgia ainda céptica, de sorriso semi-amargo. Envelhecer é perder a força e é preciso muita para nos mantermos à tona do cepticismo. Ainda se ri de si próprio, mas encolhe os ombros e segue em frente de mansinho. Deixou de brincar com as perversões dos académicos da literatura, a diversão no campus à custa de rivalidades, mal entendidos e sexo mais ou menos ilícito interessam-lhe menos, como se dissesse ‘chega de amadores, vamos ao que verdadeiramente importa’. Quer agora os profissionais, aqueles que lhe moldaram a casa por onde sempre circulou à vontade. Daí o excelente livro sobre Henry James, Autor, Autor!, talvez surpreendente para aqueles que só conhecem Lodge como romancista. É um James secreto, quase alternativo a si mesmo, um Henry James que se interroga “até onde se pode ir?” na sua vida solitária e falsamente atapetada, o mesmo James que foge do ruído do mundo e que vemos ali, sob a batuta de Lodge, ávido do calor das palmas do teatro. Como diz o próprio Lodge de forma sintética e sem olhos embaciados “Autor, Autor! é uma elegia”.
A este livro de 2004, segue-se The Year of Henry James (2006), cujas primeiras cem páginas constituem um livro sobre o livro anterior, oferecendo-nos a história sobre a génese, composição e recepção dessa ficção biográfica do Mestre, processo especialmente conturbado pelas desdita e rivalidade que parecem ter saltado do infortúnio jamesiano como dramaturgo para o infortúnio do livro de Lodge, antecedido em meses pela também bio-ficção de James por Colm Toíbín, para além de outras tantas investidas no universo do autor de The Turn of the Screw nesse ano de febre jamesiana.
Vem isto a propósito do tom dos últimos livros de Lodge e vinha isto à baila ao referir-me a Death Sentence também ele atravessado por uma tristeza sorridente e pálida, elegante e íntima como uma beleza nórdica. É uma forma de Lodge nos dizer que está a sentir-se envelhecer. Não parece ser um drama, mas não é divertido. Sejamos francos: nunca é divertido para ninguém e, quem diz o contrário, mente. Se calhar até acredita no que diz, mas acreditem que estão a mentir. Ou então não estão a envelhecer. Ora, Lodge não mente. Já nos habituou a isso. É um católico num meio anglicano, admirador de Graham Green, com menos espionagem e menos almas dilaceradas, mas ainda assim sério, apesar do seu apurado sentido de humor. Ao sentir o peso da idade, deixa-o pairar nos tons maneiristas deste seu último romance. A Vida em Surdina é um grande romance sobre o envelhecimento, paralelo ao admirável livro de contos de Julian Barnes A Mesa Limão (2004) e a alguns contos de Patricia Highsmith, se quisermos falar de textos não paternalistas sobre o limite de idade.
Que estou como o outro que não chegou a velho: "Envelhecer sim, mas devagar!"
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