Saramago volta a dar nas vistas. Cá vamos assistindo a este Benfica-Sporting entre ele e o outro grande chato da litera-caturra portuguesa contemporânea, o farsolas Lobo Antunes. Eu emociono-me tanto com esta compita entre os dois escreventes como com o final da taça das taças: 0,5 na escala de Richter. De Richter ou do primo canalizador do Richter. Em qualquer escala.
Pra dizer a verdade, ainda sou capaz de sentir alguma adrenalina durante talvez uns 10 minutos de futebol renhido, enquanto a competição de originalidades e extravagâncias de domingo destes dois publicadores de livros provoca-me a emoção que deve sentir o conde Drácula durante o dia no seu boudoir unipessoal.
Não, na verdade, o futebol pode eventualmente, num ano bissexto, entre as 2 e as 3 da tarde de uma quarta feira de Julho em que esteja a chover e haja arco-íris, pode comover-me, enquanto as tiradas do estrangeirado de Lanzarote e os silêncios eloquentes do psiquiatra que canta de olhos fechados e descalço como aquele fadista da voz transgender me oferecem boas barrigadas de riso.
Mostrado que está o meu profundo desprezo por estas duas criaturas, nesta singela introdução, vou continuar.
Se possível no mesmo tom.
Não só é possível, como inevitável.
Que querem?, eu, quando detesto, é a sério. Quando gosto também. Sou alérgica a meias tintas. Deve ser por isso é que embirro com tons pastel e com rosé.
Saramago volta a meter-se com a religião. Ele é o cristianismo (Cristo já nem deve querer cá vir abaixo ver isto enquanto Saramago por cá andar), ele é o judaísmo, ele é o islamismo, tudo!, vai tudo de escantilhão, tudo pela borda fora, que esse chorrilho de disparates só tem trazido dissabores à humanidade, carradas de tontices escarrapachadas em livros mal escritos, que transformam qualquer candidato a crente em exemplo vivo de lobotomizado como acontece com este ilustre filho da Azinhaga do Ribatejo que nos vem dizer estas verdades até agora insuspeitadas!
Claro que os livros estão mal escritos! Não entregaram a revisão à Pilar del Rio e depois é o que se vê – algum dia viram a Bíblia, a Torah ou o Corão na lista dos nobelizáveis? Ora aí está: não valem um chavo!...
Era mesmo o que nos faltava para o Outono poder começar — sim, que até agora não havia maneira de se assumir. Estávamos mesmo a precisar que o crâneo Saramago nos viesse dizer que está tudo mal e urge acabar com este desfilar de asneiras. É o Saramago com a religião, a Bayer com os ratos no convento de Mafra (reparem que fui buscar um local que lhe é querido – também sei ser simpática) e o Schwarzenegger com o cyborg que quer dar cabo da Sarah Connor (outra subtileza minha: sara connor/ sara mago – o meu pensamento polifónico não brinca em serviço). Saramago, Bayer, Schwarzenegger: exterminadores implacáveis! Destes três, parece que a Bayer é a única em queda – por isso é que não me pilham nas redondezas de Mafra.
Mas voltemos à vaca fria. E não sagrada.
Leio e ouço reacções de gente chocada (os católicos – que não sou) ou de gente que se ri e encolhe os ombros (os judeus – que não sei se não serei).
O poeta e teólogo José Tolentino de Mendonça diz de forma clara e frontal que Saramago faz uma releitura “banal” do texto bíblico (acrescento a banal, revisionista), critica-lhe o “simplismo”, confessa-se desiludido com o “reducionismo” da visão apresentada. Vem tudo isto a propósito de Caim, última obra de Saramago, como está bom de ver, mas tais epítetos, linhas de força, ou simplesmente, motivos para provocar repetidos bocejos, valeriam para qualquer outro dos seus livros. A obra de Saramago tem essa vantagem — tudo o que se diga dela obedece à lei das operações matemáticas em que a ordem dos factores é arbitrária. O que dá muito jeito para teses de ideias rapidinhas e artigos à pressão.
Admira-se José Tolentino por Saramago ter tomado o texto bíblico à letra, o que, convenhamos, para quem vive de uma obra construída à custa de parábolas de mercearia é caso para se dizer que é...obra.
Mas sinceramente, não vejo neste livro de Saramago (que não li e de que não gostei) nada de novo e muito menos algo de imprevisível na sua atitude de pretensa irreverência serôdia... E sublinho que não refiro à idade do BI ou do CC – Saramago sempre foi velho, é daqueles que já nascem póstumos.
Então o homem escreve calhamaços sobre mulheres com visão raio X e scanner incorporado, penínsulas titaniquizadas à deriva por esses mares fora, pragas de cegueira mais ameaçadoras que o H1N1, centros comerciais onde Platão vai aos saldos, filmes capazes de produzir sósias que resolveriam muita chatice nesta nossa, humana, incapacidade de ubiquidade, avarias no sistema de morticídio que nos ofereceriam a vida eterna e a possibilidade infernal de lermos a saramaguiana obra completa até aos confins dos tempos, etc, etc, então o homem dá-nos estas pérolas de leitura automática e literal e não é natural e coerente que diga, que para se perceber a Bíblia, era preciso um exegeta por pessoa, exigindo para a cabeceira de cada leitor, ao lado do candeeiro de leitura, uma máquina de desemaranhar metáforas, parábolas e toda essa tralha a que ele, como sabemos, nunca recorreu? É mais que lógico! É mesmo, elementar, meu caro José-levantado-do-chão!
Ele dirá que é diferente porque se trata de religião, de uma conversa mafiosa que andou a enganar cristãos, judeus e mulçulmanos durante muito tempo (embora, com os muçulmanos, ele se atice menos – ou está com miaúfa, ou não eles perdem pela demora). Ah, e também não gosta dos prazos destas publicações, nem do timing da produção: “A Bíblia levou mil anos a ser escrita. O Corão trinta, se não estou em erro. [...] São de inspiração divina. Bah!... Francamente, que canal de comunicação tinha Maomé ou os que escreveram a Bíblia (!!!) com Deus?”
Aqui, meu caro José, tenho de lhe enviar a dica da semana: é falar com o amigo Antunes-Farsolas que diz que "ouve vozes". Será da medicação? Ou da falta dela? Será a continuação da Bíblia e do Corão num mix que poderia resolver as guerras religiosas por esse mundo fora? O que é certo é que Saramago, lá no meio da poeirada cinzenta de Lanzarote, não ouve vozes. É outra filosofia: basta-se a si mesmo, enquanto que o outro, talvez por deformação profissional, tem mais tendência para o alucinogénico.
E nós por cá a gramarmos as pastilhas (sem qualquer aditivo, note-se) destes dois marmanjos que, como repetem à fartazana, “não andam à procura de polémicas” nem querem por nada dar nas vistas.
Cito Saramgo-himself: “Isto faz algum sentido?”
Nunca pensei ter de prestar homenagem a um membro do governo de José-Mari Aznar, mas vem mesmo a talho de foice (embora sem martelo) a calinada histórica da sua ex-ministra da CULTURA, Esperanza Aguirre, aka Super-ESPE, que afirmava, comovida, admirar muito “Sara Mago, una excelente pintora.”
Essa é que é eça!
Pra dizer a verdade, ainda sou capaz de sentir alguma adrenalina durante talvez uns 10 minutos de futebol renhido, enquanto a competição de originalidades e extravagâncias de domingo destes dois publicadores de livros provoca-me a emoção que deve sentir o conde Drácula durante o dia no seu boudoir unipessoal.
Não, na verdade, o futebol pode eventualmente, num ano bissexto, entre as 2 e as 3 da tarde de uma quarta feira de Julho em que esteja a chover e haja arco-íris, pode comover-me, enquanto as tiradas do estrangeirado de Lanzarote e os silêncios eloquentes do psiquiatra que canta de olhos fechados e descalço como aquele fadista da voz transgender me oferecem boas barrigadas de riso.
Mostrado que está o meu profundo desprezo por estas duas criaturas, nesta singela introdução, vou continuar.
Se possível no mesmo tom.
Não só é possível, como inevitável.
Que querem?, eu, quando detesto, é a sério. Quando gosto também. Sou alérgica a meias tintas. Deve ser por isso é que embirro com tons pastel e com rosé.
Saramago volta a meter-se com a religião. Ele é o cristianismo (Cristo já nem deve querer cá vir abaixo ver isto enquanto Saramago por cá andar), ele é o judaísmo, ele é o islamismo, tudo!, vai tudo de escantilhão, tudo pela borda fora, que esse chorrilho de disparates só tem trazido dissabores à humanidade, carradas de tontices escarrapachadas em livros mal escritos, que transformam qualquer candidato a crente em exemplo vivo de lobotomizado como acontece com este ilustre filho da Azinhaga do Ribatejo que nos vem dizer estas verdades até agora insuspeitadas!
Claro que os livros estão mal escritos! Não entregaram a revisão à Pilar del Rio e depois é o que se vê – algum dia viram a Bíblia, a Torah ou o Corão na lista dos nobelizáveis? Ora aí está: não valem um chavo!...
Era mesmo o que nos faltava para o Outono poder começar — sim, que até agora não havia maneira de se assumir. Estávamos mesmo a precisar que o crâneo Saramago nos viesse dizer que está tudo mal e urge acabar com este desfilar de asneiras. É o Saramago com a religião, a Bayer com os ratos no convento de Mafra (reparem que fui buscar um local que lhe é querido – também sei ser simpática) e o Schwarzenegger com o cyborg que quer dar cabo da Sarah Connor (outra subtileza minha: sara connor/ sara mago – o meu pensamento polifónico não brinca em serviço). Saramago, Bayer, Schwarzenegger: exterminadores implacáveis! Destes três, parece que a Bayer é a única em queda – por isso é que não me pilham nas redondezas de Mafra.
Mas voltemos à vaca fria. E não sagrada.
Leio e ouço reacções de gente chocada (os católicos – que não sou) ou de gente que se ri e encolhe os ombros (os judeus – que não sei se não serei).
O poeta e teólogo José Tolentino de Mendonça diz de forma clara e frontal que Saramago faz uma releitura “banal” do texto bíblico (acrescento a banal, revisionista), critica-lhe o “simplismo”, confessa-se desiludido com o “reducionismo” da visão apresentada. Vem tudo isto a propósito de Caim, última obra de Saramago, como está bom de ver, mas tais epítetos, linhas de força, ou simplesmente, motivos para provocar repetidos bocejos, valeriam para qualquer outro dos seus livros. A obra de Saramago tem essa vantagem — tudo o que se diga dela obedece à lei das operações matemáticas em que a ordem dos factores é arbitrária. O que dá muito jeito para teses de ideias rapidinhas e artigos à pressão.
Admira-se José Tolentino por Saramago ter tomado o texto bíblico à letra, o que, convenhamos, para quem vive de uma obra construída à custa de parábolas de mercearia é caso para se dizer que é...obra.
Mas sinceramente, não vejo neste livro de Saramago (que não li e de que não gostei) nada de novo e muito menos algo de imprevisível na sua atitude de pretensa irreverência serôdia... E sublinho que não refiro à idade do BI ou do CC – Saramago sempre foi velho, é daqueles que já nascem póstumos.
Então o homem escreve calhamaços sobre mulheres com visão raio X e scanner incorporado, penínsulas titaniquizadas à deriva por esses mares fora, pragas de cegueira mais ameaçadoras que o H1N1, centros comerciais onde Platão vai aos saldos, filmes capazes de produzir sósias que resolveriam muita chatice nesta nossa, humana, incapacidade de ubiquidade, avarias no sistema de morticídio que nos ofereceriam a vida eterna e a possibilidade infernal de lermos a saramaguiana obra completa até aos confins dos tempos, etc, etc, então o homem dá-nos estas pérolas de leitura automática e literal e não é natural e coerente que diga, que para se perceber a Bíblia, era preciso um exegeta por pessoa, exigindo para a cabeceira de cada leitor, ao lado do candeeiro de leitura, uma máquina de desemaranhar metáforas, parábolas e toda essa tralha a que ele, como sabemos, nunca recorreu? É mais que lógico! É mesmo, elementar, meu caro José-levantado-do-chão!
Ele dirá que é diferente porque se trata de religião, de uma conversa mafiosa que andou a enganar cristãos, judeus e mulçulmanos durante muito tempo (embora, com os muçulmanos, ele se atice menos – ou está com miaúfa, ou não eles perdem pela demora). Ah, e também não gosta dos prazos destas publicações, nem do timing da produção: “A Bíblia levou mil anos a ser escrita. O Corão trinta, se não estou em erro. [...] São de inspiração divina. Bah!... Francamente, que canal de comunicação tinha Maomé ou os que escreveram a Bíblia (!!!) com Deus?”
Aqui, meu caro José, tenho de lhe enviar a dica da semana: é falar com o amigo Antunes-Farsolas que diz que "ouve vozes". Será da medicação? Ou da falta dela? Será a continuação da Bíblia e do Corão num mix que poderia resolver as guerras religiosas por esse mundo fora? O que é certo é que Saramago, lá no meio da poeirada cinzenta de Lanzarote, não ouve vozes. É outra filosofia: basta-se a si mesmo, enquanto que o outro, talvez por deformação profissional, tem mais tendência para o alucinogénico.
E nós por cá a gramarmos as pastilhas (sem qualquer aditivo, note-se) destes dois marmanjos que, como repetem à fartazana, “não andam à procura de polémicas” nem querem por nada dar nas vistas.
Cito Saramgo-himself: “Isto faz algum sentido?”
Nunca pensei ter de prestar homenagem a um membro do governo de José-Mari Aznar, mas vem mesmo a talho de foice (embora sem martelo) a calinada histórica da sua ex-ministra da CULTURA, Esperanza Aguirre, aka Super-ESPE, que afirmava, comovida, admirar muito “Sara Mago, una excelente pintora.”
Essa é que é eça!
6 comentários:
Claramente a Bayer fazia melhor em lançar uma versãozinha de oseltamivir! Bayflu ou algo assim. Quanto ao sr Saramago...bom, tenho apenas a dizer que adorei a forma como foi ao fundo da explicação da indiferença por pseudo-discussões públicas destas:P Concordo! (E lá está, também não sou apreciadora de futebol...). Cumprimentos!
Mais uma peça de literatura, este post. E isto, literalmente!
Isabel Correia
Público fácil, bah!...
Prefiro o silêncio, o silêncio....
(Isto sou eu a encarnar o José António Saramago Antunes. Não sei se é encarnação no sentido esotérico, se no sentido do Método. Enfim, numa desta duas místicas.)
já fiquei bem-humorada :)
excelente.
Que prosa excelente, que coisinha tão bem esgalhada: "(que não li e de que não gostei)". Ora, nem mais, sem tirar nem pôr.
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