23 de dezembro de 2009

nós, os info-excluídos do pedagogismo


O staff que está no back office não sabe usar a língua mãe e recorre a termos que deve achar caros e eloquentes como usabilidade e a frases prenhes de conteúdo (com pelo menos nove meses de conteúdo) como “o professor passa a ser um facilitador de interacções”. Riscar discretamente a acima invocada palavra ‘eloquentes’ – tem mais de três sílabas e vem no dicionário, ferramenta em desuso lá por aqueles lados.
Um deles acaba de passar noventa minutos a não dizer nada e a mostrar um curriculum vitae em power point onde exibe os hobbies de sua eleição: pintura a aguarela de pasteleiro e criação de cãezinhos com ar de pantufa mas sem jornal incluído.
Tudo muito informático, ridículo e nós-com-isso.
É esta gente que julga que vai ensinar os que já leram os clássicos e demonstrar-lhes que andaram a perder tempo com tal bizarria.
É uma gente que nunca será capaz de ler um livro com mais de duzentas páginas porque não tem bonecos nem écran.

Desenha duas esferas concêntricas para mostrar (só sabem demonstrar, mostrando) que tudo isto é construção do conhecimento. Tudo isto é triste, tudisté fado.

Apesar de preferir ler os clássicos, também já pratico o “facilitador de interacções”. Quando tenho uns textos chato-didácticos, peço aos alunos para os apresentarem e assim leio em diagonal enquanto eles power-põem. É um descanso com o facilitador de interacções. É como com a máquina de lavar roupa. É só sentar e ver o filme da centrifugação.

Mas isto já tinha um nome muito antes do e-fucking. É o método-Tom-Sawyer-de-pintar-a-cerca-da-tia-Polly. Já que não tenho vontade nenhuma de a pintar, vá de dar a entender que é tarefa divertidíssima. Haverá logo quem a queira desempenhar com afinco e eu fico a assistir ao serviço a ser feito por outros.
Mas isso não vinha num power-põe. Vinha num clássico. E sem estratégia de ensino-aprendizagem (a não ser a esperteza de Tom), nem avaliação de desempenho ou mapeamento de competências.
Felizmente para o Tom Sawyer, se não ficava sem tempo para as tropelias com o Huckleberry Finn.

O que é preciso é inter-agir.
Também dá jeito o inter-cidades (caso não haja alfa-pendular).

3 comentários:

Isabel Sofia disse...

epá! amen. Amen várias vezes.
só falta dizer que os génios das pedagogias aplicadas a não sei quê, com recurso às TIC, se põem, muitas vezes, a citar nomes que nunca leram, do género Wittgnestein e outros que tais, que só conhecem graças aos mini livrinhos de pensamentos do dia que pululam nos balcões de algumas livrarias. Mas cuidado: nada de Camões. Ou os jovens ficam traumatizados. E depois o e-learning não entende a métrica, quanto mais a redondilha...

Armando Baltazar disse...

Camões?.... detesto... Adoro o Fernando Pessoa...e os seus heterónimos Alberto Caeiro e Álvaro de Campos...

Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?

Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjetividade objetiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente,
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células noturnamente conscientes
Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atômica das coisas,
Pelas paredes turbihonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...

rosa disse...

Armando, desculpe, mas acho difícil detestar Camões. Pode não se conhecer ou conhecer mal, mas detestar é impossível a não ser que deteste a língua portuguesa.
O homem era um génio, foi provavelmentente o único génio da nossa língua e olhe que eu não uso a palavra génio para cada entrada no top ten da Bertrand, Fnac ou Planeta Tangerina.