23 de janeiro de 2010

eu também quero ser pré-candidata!


Jan Steen

Desculpem o silêncio, embora, por esse motivo, não tenha que verdadeiramente pedir desculpa a ninguém a não ser talvez a mim.
É que, entre muitas outros acidentes da vida nestas duas semanas, tenho estado ausente do mundo a ler o livro de Pedro Passos Coelho.
Como não se percebe nada do que ele diz, que ideias tem ou não tem, resolveu escrever um livro que é o que agora faz muita gente sem grande ideia do que tem para dizer, ou, o que vem a dar no mesmo, sem ideias. Se não sabes o que queres dizer, escreve um livro. E ainda dizem que a iliteracia (horrorosa palavra que pretende enxotar o anátema salazarento de analfabetismo para uma linguagem da era didáctico-tecnológica) ainda dizem que a iliteracia se agiganta. Não, mil vezes não! Ou melhor, poder-se–á ler menos (o que duvido, sinceramente) mas, em compensação, escreve-se muito mais. É aliás um curioso fenómeno este, o de as pessoas que lêem pouco acharem que o que querem é escrever — e acrescentam, muitas vezes com total desplante, que não lêem para não serem influenciados. É claro que ler Thomas Mann ou Thomas Bernard (estou mentalmente só na prateleira do Tomazes) é andar sob influência e, acima de tudo, vale mais sozinho do que mal acompanhado. Além disso, o tempo que perderiam a ler enquanto podiam estar a escrever!...

Mas o livro de Passos Coelho não vem à praça pela sua qualidade literária nem por tais motivos foi escrito.
É sobre a mudança em Portugal, ou melhor, sobre a mudança que ele quer para Portugal, a começar pela mudança de cara de beto-já-comprometido mas que ainda tem sorriso de dar-umas-escapadelas para presidente do ppd-psd. No caso dele, é mais psd do que ppd. Se calhar é essa a mudança geracional de que tanto se fala: um rosto mais lavado e que claramente usa melhores produtos de limpeza e o cabelo sem gel e sem caracoletas à futebolista. Enfim, quer ele dizer-nos que deixou de ser pré-candidadto a caloiro (detesto esta palavra, mas aqui dá-me jeito) e passou a pré-candidato a pré-primeiro ministro.
Ok, fica apontado, ou, como se diz e escreve agora, fica aponte. A ponte e o aqueduto.

Outra pré-candidatura que até já é mesmo candidatura, porque ele tem pressa de chegar (e de chagar) é a de Manuel Alegre. Não comento, até porque, como já disse, eu não voto no Bloco de Esquerda.
Ontem estava eu com uma enorme e nada metafísica constipação e num zappanço apanho Marcelo Rebelo de Sousa a explicar ao mundo que, com a candidatura de Alegre, no poder passávamos a ter um triângulo a três e não a dois! Um triângulo a dois?! Terei ouvido bem ou seria do Xyzal? Os efeitos secundários deste medicamento indicam boca seca (mas juro que só bebi água), exaustão, perturbações visuais, etc.., mas não há registo de perturbações auditivas e de marcelites galopantes... Ou terá Marcelo inaugurado uma trigonometria subjectiva fundada no teorema de Marcelo?

Também ouvi asserções inquietantes como “Cavaco está no pós-escutas.”
Isto deixa-me perdida. Não é o paradigma que está perdido, sou eu, caneco!

O que é que se passa? Está tudo na pré-candidatura, candidatura antecipada e no pós-qualquer coisa e ninguém está no momento? Estamos no pré e barra ou pós e nunca no agora e aqui?

É por isso que a política me aborrece. É tudo muito complicado, é preciso seguir todos os episódios da novela que, por vezes, passa longos períodos em que só espreme uma borbulha, outras vezes, enquanto pomos o sono em dia, muda noções que tínhamos desde que olhámos pela primeira vez o azul do céu, e depois vemo-nos gregos e troianos para retomar o fio à meada. Não, é demasiada areia para a minha carruagem — o que quer que isto queira dizer, ou melhor, eu sei o que quer dizer, mas asseguro que não sou traficante de areia.

Além disso, os livros de política não têm bonecos e não há resumos da obra integral.

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