Pelo já invocado, vi, com o atraso que me compete, a notícia da morte de Malcolm McLaren no passado dia 9. E por prosaicas razões de assalariada-mãe-atarantada-chateada-com-o quotidiano-em-geral-e-com-o-país-em-particular, escrevinho agora e é se querem, que a minha vida não é isto...
Verifico na net que continua disponível o contacto
Malcolm will return shortly...
To contact Malcolm McLaren, email: office@malcolmmclaren.com
... o que torna o moço tão compassado quanto eu e lhe atribui uma ubiquidade (ou uma invulgar capacidade de resposta aos seguidores) próxima da de Deus.
Duvido é que Deus transformasse uma antiga sex shop numa loja de roupa shocking e albergasse no seu (da loja, não dEle) no seu interior rapaziada capaz de cuspir blasfémicos god shave the queen. O agora perecido dizia com justeza que era “more magician than musician”.
Nascido em Londres em 1946 e criado por uma avó abastada e parece que não abastardada, ainda Malcolmzito frequentou mais de dez escolas de artes, em todas causando sururu com as suas extravagâncias. Com este curriculum de pesquisa sociológica e muitas idas ao Principal de serviço, não admira que se pusesse a ler os situacionistas. Mais cedo ou mais tarde, lá nos sai na rifa bibliográfica.
Estava ele a caminho do Maio de 68 em Paris, quando outra pendência lhe salta às canelas e eis que fica a ocupar uma escola em Croydon. (Por acaso, tive um badge que ostentava sob fundo de camuflado um desafiante "Welcome to Croydon!" — o equivalente a algo como "Bem-vindo a Coselhas!” ou "Bem-vindo à Baixa da Banheira!" Imaginação ao poder e paz na terra entre os homens de boa vontade. Talvez não por acaso, algum anónimo apreciou particularmente aquele sábio dizer e o badge passou à lista dos desaparecidos em combate. É natural. É a circulação dos bens culturais.)
Chegou pois atrasado a Paris, sobrevivendo com bonomia àquela inveja inglesa em relação aos franceses que a essa hora faziam barricadas nas ruas, lançavam cocktails para dentro das lojas, viravam carros e esventravam as ruas ocupadas e armadilhadas. Curiosamente, como diz Milos Forman chegado a França para as festividades de Cannes, andavam uns a tentar erguer a bandeira vermelha no centro da Europa, enquanto outros tentavam derrubá-la do lado de lá, em Praga. Esquizofrenias do zeitgeist...
Na década de 1970, regressado dos States a Londres já maduro e manager, eis McLaren com a não menos surpreendente namorada Vivienne Westwood abrindo a célebre loja Sex. Tinha ele tido a epifania da época: é mais importante a atitude do que o som. Vai daí, inventou os Sex Pistols, transformando John Lydon em Johnny Rotten, mais uns alfinetes, mais umas camisolas rasgadas, mais umas performances, umas artes plásticas, umas popalhadas bem embrulhadas e apimentadas, uma coisa leva à outra e por aí fora (estou a adoptar o método narrativo Vueling, não sei se dá para perceber).
Mitómano, manipulador, McLaren fez da Sex um ponto de encontro de punks, proto-punks, artistas, proto-artistas e provocadores em geral.
Os Pistols duraram dois anos e mudaram muito coisa. Outros tão ou mais importantes para a música se lhes seguiram. McLaren fará incursões na música, partindo de um princípio ergonómico e pop— “Roubo as canções de outras pessoas e tento melhorá-las". Recorrente na pop art ou, como dizia o outro, da "poupar-te". Aqui literal e ecologicamente.
Malcolm McLaren deixa um filho, Joseph Corré, fruto da sua relação com a estilista Vivienne Westwood. Corré é um dos fundadores da marca de lingerie Agent Provocateur, despida por muitas celebridades, exposta em anúncios controversos e exibida como high-end lingerie, ou seja cara como o catano, embora se desconheça a cotação do catano. Por sinal, quando li high-end lingerie pensei que era roupa interior para trazer por fora, o que não deixava de ser uma ideia exibicionista d' agent provocateur. Afinal é só micro roupa macro cara.
Voltando aos Pistols: se ainda hoje usamos gel no cabelo é muito mais por causa deles do que dos rockabilly. Aliás, os rockabillys usavam brilhantina e não gel. Quando muito, concedamos que a brilhantina fosse um gel in nuce. A ideia estava lá, mas a consistência ideológica não. E, de resto, quem é que hoje usa brilhantina? Comparem com o número de marcas de gel em qualquer supermercado...
Sei que o rapaz McLaren abandonou as escolas de arte por preferir “ser um falhado extravagante do que ter um sucesso benigno”.
“E tinh’rrazão...”
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Malcolm will return shortly...
To contact Malcolm McLaren, email: office@malcolmmclaren.com
... o que torna o moço tão compassado quanto eu e lhe atribui uma ubiquidade (ou uma invulgar capacidade de resposta aos seguidores) próxima da de Deus.
Duvido é que Deus transformasse uma antiga sex shop numa loja de roupa shocking e albergasse no seu (da loja, não dEle) no seu interior rapaziada capaz de cuspir blasfémicos god shave the queen. O agora perecido dizia com justeza que era “more magician than musician”.
Nascido em Londres em 1946 e criado por uma avó abastada e parece que não abastardada, ainda Malcolmzito frequentou mais de dez escolas de artes, em todas causando sururu com as suas extravagâncias. Com este curriculum de pesquisa sociológica e muitas idas ao Principal de serviço, não admira que se pusesse a ler os situacionistas. Mais cedo ou mais tarde, lá nos sai na rifa bibliográfica.
Estava ele a caminho do Maio de 68 em Paris, quando outra pendência lhe salta às canelas e eis que fica a ocupar uma escola em Croydon. (Por acaso, tive um badge que ostentava sob fundo de camuflado um desafiante "Welcome to Croydon!" — o equivalente a algo como "Bem-vindo a Coselhas!” ou "Bem-vindo à Baixa da Banheira!" Imaginação ao poder e paz na terra entre os homens de boa vontade. Talvez não por acaso, algum anónimo apreciou particularmente aquele sábio dizer e o badge passou à lista dos desaparecidos em combate. É natural. É a circulação dos bens culturais.)
Chegou pois atrasado a Paris, sobrevivendo com bonomia àquela inveja inglesa em relação aos franceses que a essa hora faziam barricadas nas ruas, lançavam cocktails para dentro das lojas, viravam carros e esventravam as ruas ocupadas e armadilhadas. Curiosamente, como diz Milos Forman chegado a França para as festividades de Cannes, andavam uns a tentar erguer a bandeira vermelha no centro da Europa, enquanto outros tentavam derrubá-la do lado de lá, em Praga. Esquizofrenias do zeitgeist...
Na década de 1970, regressado dos States a Londres já maduro e manager, eis McLaren com a não menos surpreendente namorada Vivienne Westwood abrindo a célebre loja Sex. Tinha ele tido a epifania da época: é mais importante a atitude do que o som. Vai daí, inventou os Sex Pistols, transformando John Lydon em Johnny Rotten, mais uns alfinetes, mais umas camisolas rasgadas, mais umas performances, umas artes plásticas, umas popalhadas bem embrulhadas e apimentadas, uma coisa leva à outra e por aí fora (estou a adoptar o método narrativo Vueling, não sei se dá para perceber).
Mitómano, manipulador, McLaren fez da Sex um ponto de encontro de punks, proto-punks, artistas, proto-artistas e provocadores em geral.
Os Pistols duraram dois anos e mudaram muito coisa. Outros tão ou mais importantes para a música se lhes seguiram. McLaren fará incursões na música, partindo de um princípio ergonómico e pop— “Roubo as canções de outras pessoas e tento melhorá-las". Recorrente na pop art ou, como dizia o outro, da "poupar-te". Aqui literal e ecologicamente.
Malcolm McLaren deixa um filho, Joseph Corré, fruto da sua relação com a estilista Vivienne Westwood. Corré é um dos fundadores da marca de lingerie Agent Provocateur, despida por muitas celebridades, exposta em anúncios controversos e exibida como high-end lingerie, ou seja cara como o catano, embora se desconheça a cotação do catano. Por sinal, quando li high-end lingerie pensei que era roupa interior para trazer por fora, o que não deixava de ser uma ideia exibicionista d' agent provocateur. Afinal é só micro roupa macro cara.
Voltando aos Pistols: se ainda hoje usamos gel no cabelo é muito mais por causa deles do que dos rockabilly. Aliás, os rockabillys usavam brilhantina e não gel. Quando muito, concedamos que a brilhantina fosse um gel in nuce. A ideia estava lá, mas a consistência ideológica não. E, de resto, quem é que hoje usa brilhantina? Comparem com o número de marcas de gel em qualquer supermercado...
Sei que o rapaz McLaren abandonou as escolas de arte por preferir “ser um falhado extravagante do que ter um sucesso benigno”.
“E tinh’rrazão...”
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