25 de agosto de 2011

a fenda na muralha




Em 2004 viajámos pela Galiza e vi a casa da tia do meu amigo com o cemitério no jardim das traseiras. Disse-me ele que se lembra de, criança, ajudar na cozinha e ver da janela as campas que ora se iam abrindo, acrescentando, florescendo, abandonando. Na família, assistiam aos funerais enquanto amassavam a empanada e comiam no verão com a janela aberta e o vento a marulhar nos ciprestes. Os pueblos construíam-se à volta da igreja, a igreja continha o cemitério e aquela casa era dos primórdios. O quarto dele era uma frincha na parede adjacente, uma janela estreita, quase uma seteira de um castelo medievo, granítico. Às vezes acordava de noite com o uivar dos lobos, espreitava em bicos de pés sobre a cama via os fogos-fátuos a saltaram de campa em campa. Readormecia encostado ao parapeito, hipnotizado por aquela dança vinda do outro mundo. Quando lhe perguntei se não tinha medo, ele soltou a sua típica gargalhada contagiante e abanou a cabeça: “Não, aquilo era para mim uma maravilha. Como as primeiras óperas no Liceo. Sabes, eu era... como dizer?, muito naturalista. Hoje acho que já teria medo. Seria um bocado gótico demais.”

Este verão, ao voltar à Galiza, o meu amigo descobriu, na parede interior da igreja, uma fenda que estivera, durante anos, tapada por gesso e encoberta por um confessionário. Retirado este e limpa a parede, aparecera uma fenda considerável que quebrava o granito. A Xunta fez obras e, antes disso, determinou por testes modernos, o ADN da fenda. E verificaram que datava de 1755.

—Imagina! 1755!... Chegou ali o terramoto! — o meu amigo não parava de se espantar (em sentido português) com a potência do terramoto e tremia ainda de emoção ao relatar-me o impacto da visão de um traço vivo da História ali, ao lado da casa onde dormira e de onde a vizinhança dos mortos lhe fora indiferente na infância.

—Agora, o mais ridículo, imagina tu, é que foi a minha prima que me explicou isto nuns termos... Disse ela: “Parece que foi de um terramoto qualquer que houve para aí em 1700 e qualquer coisa...” e diz-me isto, assim, como quem diz que vai tomar um café, vê lá tu! Fiquei chocado! Não há dúvida que ela sofre de falhas vitais.

Falhas vitais?!

— Experiência...

Tudo isto se passa em Lobios, perto da bela Ourense, a 500 km de Lisboa e Tejo e tudo.

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