22 de setembro de 2011

Adenda à “Laia de guisa”


Annie Leibovitz

Uma amiga anunciava-me há tempos ter finalmente um namorado estável depois de um divórcio longo e conflituoso. Estava encantada com o novo príncipe na sua vida. Só havia um problema: era casado.

“Pois o eterno problema”, apressei-me logo eu.

“Sim, mas talvez não no sentido em que possas estar a pensar. Eu não quero de jeito nenhum que ele deixe a mulher. Eu não quero que ele esteja sempre a aparecer-me em casa ou até (isso é que era um inferno!) que lhe passe pela cabeça mudar-se para a minha cidade!”

“Então, afinal, tanto entusiasmo... estou a ver que não estás apaixonada por ele...” – arrisquei.

“Sim, estou apaixonadíssima, mas não quero ser a mulher. Eu quero ser a outra, quero ser a mulher paralela.”

“Mas então... isso é o sonho da qualquer homem! Eles passam a vida declarada ou secretamente a desejar isso!”

“Pois isso julgas tu... Mas este, vê lá tu, está cheio de problemas de consciência, de tal forma que isto já está a envenenar a nossa relação. Imagina que o pouco tempo que passamos juntos é gasto em parte para eu o convencer a não contar nada à mulher e deixar tudo como está, que é melhor assim para todos. Mas ele não aceita! Já viste isto? Ainda vou ser obrigada a romper ou provocar a ruptura por causa da má consciência dele! Que pouca sorte para mim eu estar a oferecer-lhe tamanha sorte para ele!...”

“Se acabarem, não é por causa da má consciência dele. Dos princípios dele queres dizer”

“Não, não. Nestas coisas não há princípios que se aguentem muito tempo. Todos os atropelam. Dá-me lá um exemplo em que um, os dois ou os três envolvidos em triângulos amorosos não se tenha portado mal?”

“Pois é, assim de repente, não estou a ver: Mariana, Teresa, Simão (não, o gajo sabia muito bem que a Mariana estava pelo beicinho e manteve aquilo em lume brando), o Carlos a Diana e a Camila é o que se sabe, X, Y e W, bem como H, D, G (mais cá de casa) também não, todos fizeram asneira da grossa; só talvez a Santa Teresa de Ávila com Deus e S. João da Cruz. Mas com aquela mania de andarem descalços... aqueles arrebatamentos místicos antes da menopausa... Hum, nem mesmo por estes ponho as mãos no fogo.”

A minha amiga é católica. Católica progressista. Tão progressista, tão progressista que às vezes já nem consigo vislumbrar o catolicismo dela que vai lá bem à frente, longe do pelotão. De modo que este exemplo caiu como mel na sopa (para mim, petisco arrepiante, mas sói dizer-se...).

A minha amiga tem razão.

No fogo, por ninguém. Somos todos mais ao menos podres e o melhor é, partindo desse mau princípio que é um bom começo, sermos práticos e evitarmos sofrer e fazer sofrer. Como dizia um dos meus namorados (ex, já agora) “parto do princípio de que as coisas não são fáceis o que facilita muito as coisas”

Poderemos pensar: e as raparigas?

Pois se elas forem paralelas, já viram as possibilidades matemáticas da coisa?, se elas são paralelas podem ter homens paralelos e assim por diante.

E as paralelas vão até ao infinito, nunca se encontram, lá vão elas por ali fora, lado a lado, umas mais chegadinhas, outras mais afastadas entre si, paralelamente, de mãos dadas sem se tocarem até ao infinito. Poderá parecer asséptico, mas só para os muito cépticos.

Sinceramente, vocês estão a imaginar alguma rapariga (quando digo rapariga é sempre acima dos 35 anos: antes dessa idade, salvo raras excepções, não são exactamente seres humanos, são uma espécie de pré-história das boas ou más pessoas em que se hão-de tornar – e, portanto, só posso fazer uma diplomática epokhé por razões óbvias de não conseguir meter o dente no transcendentalismo), imaginais, dizia, uma rapariga com a vida relativamente organizada (o que quer que isso queira dizer) a querer retomar o calvário de paixão, reorganização do ajuntamento de trapinhos (imensa e inútil trabalheira), apresentação aos amigos, suas empatias e desempatias, rotina, desconfiança, decepção, discussão, bordoada? quando pode, muito simplesmente ser a mulher paralela e, por se lhe der na real gana (chamemos-lhe assim, provisoriamente), ter os seus homens paralelos também?

Poderão objectar que isso seria uma bandalheira e as crianças (meu Deus, as crianças?) e as férias com quem as faço e as doenças sexualmente transmissíveis e quem paga o IRS e como são as deduções, por aí adiante.

Meus amigos (e até inimigos), sejamos sinceros: tudo isso se resolve quando há boa vontade (e podem terá certeza que para manter este sistema tem mesmo de haver vontade – e, no fundo, no fundo, quem é que não tem vontade? Até a Teresa de Ávila tinha vontades indomáveis!...)

Fico-me por aqui. Como o outro, “sob o manto diáfano da fantasia ...etc “

Resumindo: ser-se, ter-se paralelos é que está a dar. Se não está, devia estar.

Geometria elementar, caro Watson (olhem, por falar nisso, esse, o Sherlock e o monstro do Lago Ness é que andaram numa geometria não euclidiana de se lhes tirar o chapéu).


Post scriptum (ao post): afinal isto não é uma adenda, é uma errata.

3 comentários:

Anónimo disse...

lol brilhante e acutilante. dito por uma rapariga

Isabel Sofia

henedina disse...

Rosa, a foto da Branca de Neve é por antonomásia, ou para criar outra possibilidade de leitura?

rosa disse...

é por gostar da foto, pelo post ser tão inocente e por mais uns motivos que adiante se verão.