9 de setembro de 2011

Houston, wii have a problem


Tanta possibilidade tecnológica está a aproximar-se do caos. Pelo menos à minha volta.

Episódio 1)

Há uns meses o meu pai ao telefone: “Vais receber uma carta minha, mas não faças caso do conteúdo.”

Naturalmente fiquei preocupada com o teor da conversa: “Mas diz lá o que é que se passa? Há algum problema?...”

Ao que ele: “Não, é só uma carta a dizer que estava sem telefone e que te telefonaria assim que a avaria estivesse sanada. Mas, afinal os tipos dos telefones vieram cá rapidamente e a informação da carta já não tem interesse. Por isso já te posso estar a telefonar.”

Ainda perguntei: “Então e quanto tempo durou essa avaria?”

“Duas ou três horas. Eles vieram logo. Mas eu não queria que ficasses preocupada, entretanto. Também mandei outra carta para a T., para Lisboa, a dizer o mesmo.”

A T. é a minha irmã. Ao que eu: “Está bem, nem cheguei a ter tempo para me aperceber de tal avaria....”

Depois, reflecti: “Mas ouve lá, se foste ao correio para comprar selos e enviar duas cartas, porque não telefonaste de lá?”

O meu pai: “É verdade! Nem me lembrei...”

Na manhã seguinte, lá recebo eu a carta que dizia apenas: “Estou sem telefone. Já participei às avarias que me disseram que dentro de dois dias seria reparada. Logo que tiver telefone, comunico-te.”

Episódio 2)

Tempos depois, eu parada numa Worten a olhar distraidamente para uma parede de plasmas e lcds — nem sei se isto não é um pleonasmo tecnológico. Lá vem o inevitável funcionário solícito perguntar-me se precisava de ajuda. Eu, tirada daquele remanso à espera que o meu filho escrutinasse não sei que aparelhómetro, lá lhe retorqui com toda a sinceridade e incómodo de ser interrompida no processo dissecativo da morte da bezerra: “Não, na verdade, estava só a olhar para estes écrans e a tentar perceber as diferenças entre eles. Mas não estou a pensar comprar. Só quando morrer uma televisão muito pequenina e muito básica que tenho lá em casa. É muito antiga, praticamente a preto e branco. Destas modalidades novas não percebo nada, olho para isto como um boi para um palácio.”

“Eu passo a explicar as várias situações.” – diz o rapaz, julgando pela minha demonstração de ignorância que me ia convencer com o seu mau português. E começa numa ladainha tecnológica explicando as potencialidades, diversidades, especificidades, personalidades de cada um dos aparelhos que, sincronamente transmitiam o mesmo filme no mesmo momento de estupidez e cambalhotas realizativas. Eu, de vez em quando, fazia uma pergunta ociosa, fazendo-o voltar atrás e gaguejar no aranzel vendedor, obrigando o moço a recuperar frases a meio ou a dois terços e a torcer o braço à ideia, sempre num arrazoado ciclópico pronto a arrastar-me para a caixa registadora. Até que, a uma dessas perguntas ele responde: “A função bipotix (supostamente) permite-lhe fazer xospassex (por aí).” E eu, inocente: “Diga-me isso agora em português, por favor.” “Olhe”, acresce ele já subindo um pequeno degrau na irritação da voz, “permite ligar o telemóvel à televisão...”

“Credo!...”, gritei eu, recuando uns passos assustados, “e pra que quererei eu ligar o telemóvel à televisão?!!!... E não dá pra ligar o micro-ondas à máquina de lavar roupa e faz-se logo o ménage todo?! Credo!... Não quero saber mais nada...” E saí sem mais delongas com o rapaz a olhar pra mim com ar de dúvida sobre a minha sanidade mental e muito provavelmente sobre o uso do ménage naquele contexto tão pouco sexual.

Episódio 3)

Dias depois, queixo-me eu ao telefone ao meu amigo A., depois de repetidas e infrutíferas tentativas de contacto: “Não atendes o telefone, não devolves as chamadas, isto assim é uma chatice!... Viste ao menos os mails que te enviei? Já há mais de uma semana!” Resposta tipo dele (de há dez anos a esta parte): “Não, linda. Não vejo mails há algum tempo, tenho tido muito trabalho.” — justificação que, para o comum dos mortais, contém uma contradição fatal entre os termos da proposição, mas ele não acredita. Aqui é uma questão de fé. De falta de fé na realidade para além dele. Mas adiante, não quero especular, que isto daria mango pra panas.

Minha deixa final: “Bolas, assim não dá! Se eu seguisse o raciocínio do meu pai, para chegar à fala contigo, teria de ir aí entregar-te um telegrama a avisar-te que ia telefonar indicando que tinhas mails meus para ler, pôxa!... Nem sei se ainda há telegramas... qualquer dia tenho de usar os tambores da selva ou sinais de fumo daqui de baixo...”

O meu amigo vive a 100 metros de mim.

Episódio 4)

Telefono para o meu pai há dois dias. “Ligaste, pai, mas eu estava a falar.”

E ele: “Pois, eu percebi. Estás bem? E o AP (meu filho), tens notícias dele?”

“Estive há pouco a falar com o ele no skype (o rapaz está em Madrid), está óptimo.”

Vi logo que a informação ia dar bota: “O que é isso?”

“É uma forma de falarmos e de nos vermos usando os computadores. É prático e é gratuito.”

“Está bem. E com a T., falaste com ela hoje?”

“Sim, era com ela que estava a falar quando tu ligaste. Está tudo bem.”

“Pois, eu também tentei ligar-lhe, mas não a apanhei. A mensagem foi parar ao pacemaker.”


Não dá... Alguém tem de parar por uns instantes as telecomunicações, a tecnologia, os tambores da selva, os sinais de fumo, os megapixeis, os gigabaites, os browsers, os wirelesses, os megabotes, o camandro...

Precisamos de um refresh senão fazemos tilt.



6 comentários:

Chicapardoca disse...

Genial. Eu já ouvi algumas das histórias de ti directamente (i.e., não mediadas por aparatos tecnológicos de qualquer espécie), mas isto lido é mil vezes mais delicioso. Afinal a tecnologia também tem vantagens não despiciendas; uma delas é ter o prazer de te ler.

io disse...

Isto é maravilhoso, Rosa. Já chorei a rir. AS histórias são fabulosas (e ao que creio verídicas), mas o melhor é esta tua escrita. Como diz a Chicapardoca: Genial. Muito, muito bom.

Anónimo disse...

mais uma vez Rosa, mais uma, ou mais tantas quantas as necessárias: esta história está de-li-cio-samente contada por ti!Gracias!!!
vou querer mais...Beijos.
Amélia Júlio

Anónimo disse...

lol lol lol lol
(e então com a tua verve....)

isabel Sofia

teresa vieira disse...

adorei!

at disse...

este post é uma delícia. se soubesse a tua morada escrevia-te uma carta que eu cá em público fico timida.