23 de maio de 2009

Liquidação da existência



“Mário Benedetti faleceu há poucos dias em Montevideu e é um herói no Uruguay. [...] Ele gostava de usar palavras simples, visando sobretudo, dizia ele, a classe média.” – de um mail enviado, de Alicante, pelo meu amigo Manuel Santos acompanhando esta sua tradução do poema de Benedetti.
Pertencendo à Geração de 45, como os seus compatriotas Idea Vilariño e Juan Carlos Onetti entre outros, Benedetti tem uma vasta produção literária de mais de 80 títulos, entre poesia, ensaio, drama, novela e contos. A maioria de suas obras tem como protagonista a classe média de Montevidéu de onde não gostava de sair.
No entanto, teve uma vida agitada, marcada por longos anos de exílio na Argentina, Cuba e Espanha, durante a ditadura uruguaia.
Doou a sua biblioteca madrilena à Universidade de Alicante onde, desde 1999, funciona o Centro de Estudos IberoAmericanos Mario Benedetti.

Gracias Mario, estés donde estés.



PROVA DE VIDA


Ah, quem me salvará de existir?
Fernando Pessoa


Disse o tipo com presunção /
consegui hoje no consulado
a habitual
‘prova de vida’

consta aqui que estou vivo
de maneira que basta de calúnias

este papel magnífico / irrefutável
certifica que eu existo

se dou de caras com o espelho
e o meu rosto não aparece
aguentarei sereno
descansado

não é certo que tenho na carteira
o meu recém adquirido
flamante
certificado de existência?

viver / no fim de contas
não é assim tão fundamental
o importante é que alguém
devidamente autorizado
certifique que a pessoa
comprovadamente existe

quando abro o meu diário e leio
a minha própria necrologia
entristece-me que não saibam
que estou em condições
de mostrar seja onde for
e a qualquer pessoa
um extenso e minucioso
certificado da minha existência
devidamente em vigor

existo
logo penso

quantos fulanos sicranos e beltranos
não andam por aí
pensando que estão vivos
quando na verdade carecem desta genuína
insubstituível
soberana
‘prova de vida’?


Tradução de Manuel Santos.
Obrigada, Manuel.

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