De regresso à edição, que o desvio foi longo. Refiro-me ainda a Death Sentence/A Vida em Surdina de David Lodge. A Editora Asa tem o mérito de, há alguns livros a esta parte, nos presentear com arranjos gráficos mais cuidados, fugindo à regra das editoras mainstream com capas passíveis de provocar lesões profundas no nervo óptico. Profundas e, no meu caso, irreversíveis porque não volto a olhar para elas. Ainda assim, não se coíbe a Asa de espalhar pelos frontespícios das obras editadas, dizeres chamativos do tipo pague um e leve dois. Não, é claro que infelizmente o conteúdo não é esse, mas antes tiradas de profundidade crítica como “Impressionante! (The Gardian)”, “Magistral! (Lire)” e por aí fora. E nós a gastarmos tantas palavras para apresentar um livro! Lá fora basta um adjectivo (com ponto de exclamação, note-se). Ainda para mais, já tivemos essa tradição bem representada na inefável pessoa do antigo presidente Américo de Deus Thomaz que sensatamente opinava: “Só tenho um adjectivo: gostei!”. Não há dúvida que gostamos de complicar, como dizem os espanhóis...
Na Asa, mais cuidado gráfico, mas continuação da rebaldaria na revisão como sói usar-se na maioria das editoras. A tradução deste livro (Tânia Ganho) não terá sido fácil. Há mesmo dificuldades, como os trocadilhos e mal entendidos devido à surdez da personagem, que me parecem bem resolvidas. Inexplicavelmente, surgem falhas que põem a nódoa infame na toalha impecavelmente lavada e estendida e a que uma boa revisão poderia pôr cobro. Partindo do princípio de que um tradutor não pode solucionar tudo e que há debilidades que um segundo e treinado olhar pode detectar, partindo do princípio de que os revisores são as pessoas que menos erros de língua portuguesa darão e que, por isso mesmo, um bom revisor vale ouro, as editoras deveriam apostar neles, agarrar os bons e pagar-lhes em conformidade, ou seja, bem. Muito bem, mesmo. Acham? Nã, nada disso! O que interessa é o imprimatur e pôr a circular enquanto está quente como pãezinhos saídos do forno.
E assim, como não há revisão cuidada, lá se mancha o trabalho árduo do tradutor com o jargão do taxista e do comentador desportivo. Que facada no coração da língua (portuguesa) ao tropeçar regularmente nos “eu pessoalmente”, nos “duvido de que me possam ajudar” (p. 171), na colocação incorrecta do pronome pessoal (constante armadilha de quem fala mau português) — “ela pediu-me para ajudá-la” (p. 198), “[...] ou será que qualquer método interpreta a experiência em vez de representá-la?” (p. 17) — nas repetições facilmente evitáveis — “mas motivado exactamente pelos mesmos motivos” (p. 177) — e, finalmente, num dos meus horrores de estimação: o uso e abuso do mal fadado adjectivo “respectivo”! Exemplos desta pecha entre outros possíveis (infelizmente abundam): “(...) o seu cérebro passa revista a estas possíveis acções e às respectivas objecções a cada uma delas (p. 216); “E embora fosse compreensível que os próprios mineiros e as respectivas famílias quisessem conservar o seu trabalho(...)” (p. 218).
Por que é esta obsessão com a respectividade? Será uma forma de deixar claro que não “é tudo ao monte”, embora esta ideia seja sempre portuguesmente aligeirada pela esperança messiânica do “e fé em Deus”?
Quando se diz “estavam eles e as respectivas esposas” fico sempre intrigada. Porquê respectivas? Não podia ser só “as esposas”? Para quê essa insistência no acasalamento de legalidade comprovada? Para começar, embirro com a palavra “esposa” que me soa sempre a “esponja” o que não é de grande dignidade para as mesmas (como se diria usando o mesmo padrão de mau português). Depois, questiono-me sobre as verdadeiras intenções desse adjectivo com ferozes instintos de possessividade: e se as respectivas não forem aquelas? Que temos nós a ver com isso? Ou, já que estamos em clima de ciberdúvidas, que temos nós a haver? Nada, geralmente não somos chamados para o possível folguedo que espreita, caso as esposas não se confirmem ser aquelas que deveriam ser, ou seja, as respectivas. É que até podem ser casamentos liberais ou mesmo swingers e está o narrador a coartar infinitas ramificações de possibilidades narrativas com aquele deselegante e castrador “respectivas”. É o típico narrador que julgando escrever uma frase neutra do género “Passa-me o sal, se fazes favor”, está afinal a dar um patético tiro no pé. Isto é a prova da não neutralidade narrativa, do fim da suíça da narratologia e a comprovação da ignorância dos nossos escribas que assim lançam mão dos subterfúgios mais inestéticos da língua que deveriam ter na ponta da dita. (Como vêem, é só um pequeno esforço – qualquer pessoa inteligente consegue escrever como uma besta).
Estas alarvidades de quem julga que está a falar bem, quando só está a conseguir desfeiar o português, semeando os textos a torto e a direito com os respectivo/a, mesmo/a, dito/a, chovem, como dizia o outro, das mais oriundas partes. Podem ler-se até em textos do Ministério de Educação, em textos tidos como normativos da DGDIC e tentáculos afins. Ou respectivos tentáculos, para falar bem esse mau português.
É uma praga. Dá muito nas pessoas que lêem pouco. Está para o português como a filoxera para a viticultura: em expansão inexorável e resultante da imprudência humana. É a maleita do respectivismo galopante.
Ando com um livro de José Rodrigues Miguéis à cabeceira — A Escola do Paraíso (1960). Vou abrir ao acaso, porque sei que sai sempre, nem que seja só a terminação como na lotaria:
“A luz é frouxa e tamisada”; “As janelas coalhadas de gente a olhar”; reencontro termos como "perliquitetes", "tasquinhar"; ou as imagens sugestivas d'“a bota afiambrada” (esta é queirosiana), “a penumbra atravancada”, “o cão que cainha” (esta podia ser do Mário de Carvalho), “o cabelo comicha” (esta também eu uso), enfim, uma escrita que é um manjar de surpresas do português.
Ou estoutro naco suculento:
“Ao contrário, a casa da Miquelina é um antro de excitação, embora sem derivativos nem gratificações. Há mulheres de olhos lustrosos, cor de violeta ou pervinca, às vezes macerados, doridos, com olheiras fundas, roxas: caras redondas, de boneca, epidermes alvas, rosadas e macias, com frequência pálidas (diz-se que é das noitadas), e a Sarah tem sardas, o nome sugere isso mesmo. Bocas rasgadas de sorrisos húmidos e quentes, com dentes que brilham; caracóis e encanudados, mãos cuidadas, rendas e pulseiras, perfumes e cremes, pós de arroz leves. Quando ali entra, envolve-o logo uma atmosfera carregada de feminilidade, uma indefinível, pesada, quase sufocante sensualidade, que o embriaga e enlanguesce.
As mulheres disputam-no aos gritos, festejam-no, agarram-no, erguem-no ao ar, apertam-no ao seio fofo que exala aromas, comem-no com beijos. Ele não protesta, e até gosta. Não é como ser asfixiado entre os joelhos do sr. Mealha. Nem como quando teve de dormir acompanhado de duas primas, parece, mulheres feitas na opinião dele, ambas solteiras, novas e perdidas na solidão da serrania beiroa, que o beijocavam e apertavam com frenesim: e ele, aflito, reclamava ar, queria ‘escupir’! elas riam-se. Mas há quanto tempo isso foi, tinha ele dois anos, pouco mais: durante a tal viagem memorável que ele esqueceu por completo! Aqui ninguém o beija na boca, o que teria repelido sem remédio, de nojo. Há uma pureza física no imaginário impudor.
Este mundo de meias palavras, olhadelas, vertigens e subentendidos, é impenetrável: nunca um gesto, uma palavra, um sentido explícito. Mas tem de haver qualquer coisa. Por muito que o deseje — às vezes abre uma porta inesperadamente — nunca avista um corpo nu, mesmo só em parte, nem uma cena íntima: quando muito um braço, rendas confusas, uma bata entreaberta, um espartilho preto ou cor-de-rosa, uma pantufa de borla, um retalho de epiderme quente, um gesto mais vivo de pudor, a exclamação de alarme — “Ah, és tu! Gabrielzinho, não sejas curioso!” — temperada de langor e riso... Porque se escondem elas?” (75/76)
Quantos Saramagos e Lobos e Antunes precisa uma literatura de aguentar para ter direito a gente na penumbra (gente de 3ª classe, mas de primeiríssima apanha), para ter gente que escreve assim? Quantos chatos temos de aturar ou de fintar para termos acesso a estes luxos que já se estavam nas tintas para o pedopsiquiatricamente correcto e as Laurindinhas que vêm à janela do salão paroquial, mesmo antes de se saber que estes dignos representantes da mediocridade iriam existir?
Enfim, “haja saúde!” como diz sempre um colega meu quando lhe coloco questões decisivas, intrincadas e de solução impossível. E mais direi citando a correcção linguística e o apuramento estilístico do “Diário de Coimbra” num título de uma notícia local, aqui há anos: “Faltou a luz na rua Visconde da mesma”.
Assim é que escrever, ó gandulage!
Na Asa, mais cuidado gráfico, mas continuação da rebaldaria na revisão como sói usar-se na maioria das editoras. A tradução deste livro (Tânia Ganho) não terá sido fácil. Há mesmo dificuldades, como os trocadilhos e mal entendidos devido à surdez da personagem, que me parecem bem resolvidas. Inexplicavelmente, surgem falhas que põem a nódoa infame na toalha impecavelmente lavada e estendida e a que uma boa revisão poderia pôr cobro. Partindo do princípio de que um tradutor não pode solucionar tudo e que há debilidades que um segundo e treinado olhar pode detectar, partindo do princípio de que os revisores são as pessoas que menos erros de língua portuguesa darão e que, por isso mesmo, um bom revisor vale ouro, as editoras deveriam apostar neles, agarrar os bons e pagar-lhes em conformidade, ou seja, bem. Muito bem, mesmo. Acham? Nã, nada disso! O que interessa é o imprimatur e pôr a circular enquanto está quente como pãezinhos saídos do forno.
E assim, como não há revisão cuidada, lá se mancha o trabalho árduo do tradutor com o jargão do taxista e do comentador desportivo. Que facada no coração da língua (portuguesa) ao tropeçar regularmente nos “eu pessoalmente”, nos “duvido de que me possam ajudar” (p. 171), na colocação incorrecta do pronome pessoal (constante armadilha de quem fala mau português) — “ela pediu-me para ajudá-la” (p. 198), “[...] ou será que qualquer método interpreta a experiência em vez de representá-la?” (p. 17) — nas repetições facilmente evitáveis — “mas motivado exactamente pelos mesmos motivos” (p. 177) — e, finalmente, num dos meus horrores de estimação: o uso e abuso do mal fadado adjectivo “respectivo”! Exemplos desta pecha entre outros possíveis (infelizmente abundam): “(...) o seu cérebro passa revista a estas possíveis acções e às respectivas objecções a cada uma delas (p. 216); “E embora fosse compreensível que os próprios mineiros e as respectivas famílias quisessem conservar o seu trabalho(...)” (p. 218).
Por que é esta obsessão com a respectividade? Será uma forma de deixar claro que não “é tudo ao monte”, embora esta ideia seja sempre portuguesmente aligeirada pela esperança messiânica do “e fé em Deus”?
Quando se diz “estavam eles e as respectivas esposas” fico sempre intrigada. Porquê respectivas? Não podia ser só “as esposas”? Para quê essa insistência no acasalamento de legalidade comprovada? Para começar, embirro com a palavra “esposa” que me soa sempre a “esponja” o que não é de grande dignidade para as mesmas (como se diria usando o mesmo padrão de mau português). Depois, questiono-me sobre as verdadeiras intenções desse adjectivo com ferozes instintos de possessividade: e se as respectivas não forem aquelas? Que temos nós a ver com isso? Ou, já que estamos em clima de ciberdúvidas, que temos nós a haver? Nada, geralmente não somos chamados para o possível folguedo que espreita, caso as esposas não se confirmem ser aquelas que deveriam ser, ou seja, as respectivas. É que até podem ser casamentos liberais ou mesmo swingers e está o narrador a coartar infinitas ramificações de possibilidades narrativas com aquele deselegante e castrador “respectivas”. É o típico narrador que julgando escrever uma frase neutra do género “Passa-me o sal, se fazes favor”, está afinal a dar um patético tiro no pé. Isto é a prova da não neutralidade narrativa, do fim da suíça da narratologia e a comprovação da ignorância dos nossos escribas que assim lançam mão dos subterfúgios mais inestéticos da língua que deveriam ter na ponta da dita. (Como vêem, é só um pequeno esforço – qualquer pessoa inteligente consegue escrever como uma besta).
Estas alarvidades de quem julga que está a falar bem, quando só está a conseguir desfeiar o português, semeando os textos a torto e a direito com os respectivo/a, mesmo/a, dito/a, chovem, como dizia o outro, das mais oriundas partes. Podem ler-se até em textos do Ministério de Educação, em textos tidos como normativos da DGDIC e tentáculos afins. Ou respectivos tentáculos, para falar bem esse mau português.
É uma praga. Dá muito nas pessoas que lêem pouco. Está para o português como a filoxera para a viticultura: em expansão inexorável e resultante da imprudência humana. É a maleita do respectivismo galopante.
Ando com um livro de José Rodrigues Miguéis à cabeceira — A Escola do Paraíso (1960). Vou abrir ao acaso, porque sei que sai sempre, nem que seja só a terminação como na lotaria:
“A luz é frouxa e tamisada”; “As janelas coalhadas de gente a olhar”; reencontro termos como "perliquitetes", "tasquinhar"; ou as imagens sugestivas d'“a bota afiambrada” (esta é queirosiana), “a penumbra atravancada”, “o cão que cainha” (esta podia ser do Mário de Carvalho), “o cabelo comicha” (esta também eu uso), enfim, uma escrita que é um manjar de surpresas do português.
Ou estoutro naco suculento:
“Ao contrário, a casa da Miquelina é um antro de excitação, embora sem derivativos nem gratificações. Há mulheres de olhos lustrosos, cor de violeta ou pervinca, às vezes macerados, doridos, com olheiras fundas, roxas: caras redondas, de boneca, epidermes alvas, rosadas e macias, com frequência pálidas (diz-se que é das noitadas), e a Sarah tem sardas, o nome sugere isso mesmo. Bocas rasgadas de sorrisos húmidos e quentes, com dentes que brilham; caracóis e encanudados, mãos cuidadas, rendas e pulseiras, perfumes e cremes, pós de arroz leves. Quando ali entra, envolve-o logo uma atmosfera carregada de feminilidade, uma indefinível, pesada, quase sufocante sensualidade, que o embriaga e enlanguesce.
As mulheres disputam-no aos gritos, festejam-no, agarram-no, erguem-no ao ar, apertam-no ao seio fofo que exala aromas, comem-no com beijos. Ele não protesta, e até gosta. Não é como ser asfixiado entre os joelhos do sr. Mealha. Nem como quando teve de dormir acompanhado de duas primas, parece, mulheres feitas na opinião dele, ambas solteiras, novas e perdidas na solidão da serrania beiroa, que o beijocavam e apertavam com frenesim: e ele, aflito, reclamava ar, queria ‘escupir’! elas riam-se. Mas há quanto tempo isso foi, tinha ele dois anos, pouco mais: durante a tal viagem memorável que ele esqueceu por completo! Aqui ninguém o beija na boca, o que teria repelido sem remédio, de nojo. Há uma pureza física no imaginário impudor.
Este mundo de meias palavras, olhadelas, vertigens e subentendidos, é impenetrável: nunca um gesto, uma palavra, um sentido explícito. Mas tem de haver qualquer coisa. Por muito que o deseje — às vezes abre uma porta inesperadamente — nunca avista um corpo nu, mesmo só em parte, nem uma cena íntima: quando muito um braço, rendas confusas, uma bata entreaberta, um espartilho preto ou cor-de-rosa, uma pantufa de borla, um retalho de epiderme quente, um gesto mais vivo de pudor, a exclamação de alarme — “Ah, és tu! Gabrielzinho, não sejas curioso!” — temperada de langor e riso... Porque se escondem elas?” (75/76)
Quantos Saramagos e Lobos e Antunes precisa uma literatura de aguentar para ter direito a gente na penumbra (gente de 3ª classe, mas de primeiríssima apanha), para ter gente que escreve assim? Quantos chatos temos de aturar ou de fintar para termos acesso a estes luxos que já se estavam nas tintas para o pedopsiquiatricamente correcto e as Laurindinhas que vêm à janela do salão paroquial, mesmo antes de se saber que estes dignos representantes da mediocridade iriam existir?
Enfim, “haja saúde!” como diz sempre um colega meu quando lhe coloco questões decisivas, intrincadas e de solução impossível. E mais direi citando a correcção linguística e o apuramento estilístico do “Diário de Coimbra” num título de uma notícia local, aqui há anos: “Faltou a luz na rua Visconde da mesma”.
Assim é que escrever, ó gandulage!
10 comentários:
Ai, ai, Rosa! Antes de mais, está boa? Caramba, eu vinha cá fazer uma coisa que condeno: deixar o crítico nu:). Mas como o condeno em primeira instância, vou ceder à tentação em segunda.
Nunca compreendi críticos de cinema na arte de dar, lado a lado, uma bola preta (um) e cinco estrelas ao mesmo filme. Risco imediatamente o primeiro, e depois vou verificar se o segundo se passou.
Estou extremamente atento à crítica, porque a considero, primacilamente, perversa. E a crítica literária mais do que qualquer outra. Espero que a Rosa tenha a noção de que a Tânia Ganho, por exemplo, é uma das tradutoras excelentes que temos na praça das páginas. Os seus apontamentos são meras opiniões, Rosa, não sentenças. Mas escreve-os como se o fossem. É livre de escrever, sim, mas quando se critica um livro ou uma tradução devemos ser especialmente cuidadosos, não acha? Eu acho. Dizer mal é de evitar sempre. Sempre achei que, para dizer mal, tem de se ter a certeza absoluta. Não se deve prejudicar o artista de forma frívola e gratuita. Não digo que o tenha feito, porque são precisas pessoas como a Rosa, a falar assim de livros, mas...agora me lembro: é ao revisor que aponta as baterias, não é? Vai dar ao mesmo. Podia estas aqui dias, mas vamos ao que importa:
1) A Rosa perdeu metade da credibilidade perante mim quando se refere de forma profunda, aturada, a um livro que se chama "Deaf Sentence" como sendo "Death Sentence"; e esta troca é, neste contexto, pouco admissível, porque a questão está aí mesmo: Deaf, em vez de Death - o trocadilho;
2) A colocação dos pronomes é uma opinião estética sua, não um erro;
3) O "Eu, pessoalmente" é uma opinião estética sua, não um erro;
4) A Rosa usa "Não há dúvida que", que há quem considere como erro, tal como há quem considere que "Não há dúvida de que" está correcto;
5) "Respectivo" - é um mera opinião estética, não um erro;
Como meras opiniões estéticas são as críticas a muitos pleonasmos que têm perfeito cabimento...estético.
O elemento enfático também é importante no português.
Ah, e quem escreve sem alma e não dá erros de português não nos serve, Rosa.
Quem escreve bem, também tem direito a eles (porque todos ignoramos, todos falhamos, e se achamos que sabemos tudo, falharemos mais; olhe, eu falho, falho muito, mas é por ter consciência disso que cada vez falho menos;). Este comentário é só para lhe dizer, Rosa, com todo o respeito, que falhou.
Não se apontam erros que não existem.
E mesmo que existam, por favor pense duas vezes antes de subir aos seu púlpito.
Não magoe gratuitamente.
Não os melhores.
Calorosos cumprimentos, Pedro
PS: Não tenho tempo para rever; espero que não tenha erros:)
Pedro Guilherme-Moreira, bem vindo! Dupla e mesmo triplamente obrigada! Primeiro porque escreveu um comentário com mais de três linhas. Depois porque é a primeira pessoa que não conheço e que deixa um comentário. Assim, posso finalmente também dizer que se conhecem pessoas pela net: começava a pensar que são sempre os mesmos, como nos prémios literários.
Mais ainda porque me dá razão: os bons revisores faltam e a prova é que tanto eu como o Pedro, como toda a gente, todos damos erros e somos cegos às nossas gralhas. O livro chama-se de facto Deaf Sentence e, de tal modo surdez e morte o permeiam, que escrevo Death (vá lá, não ter sido dad...). Já várias pessoas leram o post e ninguém o assinalou. Vê como temos razão na necessidade da boa revisão? E isto é válido para bons tradutores, grandes escritores e por aí fora.
Última razão para lhe agradecer: o facto de me querer ver nua. É sempre estimulante. Acho muito sensaborona esta coisa de só se escrever sem haver um pouco de malícia mesclada no acto (da escrita). O seu comentário refere aliás, e muito bem, a perversidade do crítico...
Apenas discordo do seu tom moralista, aqui e além, apesar de me imputar uma qualidade sentenciosa que eu não mereço nem desejo.
Admoesta-me por eu "prejudicar o artista". Que artista? O Lodge?! Pois se é dos meus escritores favoritos e é por isso que escrevi o post e, por ele muito mais escreveria? Não percebo. É que o artista é um bom artista.
Diz-me que aspectos como a colocação dos pronomes são "meras opiniões estéticas". Aqui para nós e sinceramente: nem as opiniões estéticas são meras - há até um ramo muito antigo e complexo do saber que se chama Estética, nem esse é um caso de "mera etc", porque há regrazinhas para a colocação dos pronomes pessoais. É só consultar qualquer gramática e verá, embora muitos portugueses adultos e oficialmente letrados as não respeitem. Não é grave, é apenas incomodativo.
Deixo para o fim o que mais aprecio. É o seu dedo espetado a aconselhar-me paternalmente que críticas negativas não, só quando há certezas absolutas. Espero que não seja um émulo do professor Cavaco com as suas certezas tão certeiras como a sua pronúncia do substantivo "pugrama".
E lá vem o velho medinho de fazer críticas a "dizer mal" para usar a sua expressão, digamos, técnica.
Nisso o Pedro não destoa da crítica em geral: é chato dizer mal, vale mais não apontar erros e deixar andar, não se pode magoar o artista, coitado, que pode deprimir e a veia criativa secar, e depois ele ainda é amigo do amigo do compadre dos cem que escrevem para os mesmos cem que lêem.
Tirando isto, estamos perfeitamente de acordo.
Escreva sempre como dizem nos blogs sérios.
Rosa, deixei um longuíssimo comentário ao seu, carreguei em "publicar"...mas dá-me a impressão de que o perdi pela rede.
Devo horas ao sono, pelo que vou tentar resgatar à vigília da manhã alguns minutos para si. Pena, porque era mesmo gigantesco...pode ser que ainda apareça acima deste:)
pois é um dos males da tecnologia.nunca dá uma aberta às nossas fraquezas. então com sono, não há máquina que se apiede de nós.
o teclado do meu computador, por exemplo, não concorda que eu coma batatas fritas. mesmo que sejam lays gourmet.
Não aguento. Vai ter de ser hoje.
Mas também não vou fazer nenhum esforço por repristinar o comentário perdido.
Vou confiar na providência, Que me quis fazer sintético:)).
Falei-lhe de moralismos, nada de moralismos.
Que tinha uma filosfia para lá (ou cá) de todos os filósofos", e que essa filosfia é a "bondade, e que a bondade move o mundo na direcção certa.
Que não sou inocente, mas apenas adogado, escritor e pobre, mas um pobre bem sucedido.
Sei que a Rosa sabe o que isso é.
A ética dá fome:).
Para si, fui mauzinho, sim. Mas pior seria se me tivesse limitado a expor o seu único verdadeiro erro: trocar Death por Deaf. Em PS, escrevi que só ao café lhe explicaria porque é que sabia o que informou esse seu erro.
Disse que sim, que li o livro com um olhar minucioso ao trabalho de tradução da Tânia Ganho, e que o considerava de excelência.
Disse que devíamos estimar os bons, a quem diríamos que acreditávamos noutra opção, sem classificar a vigente como erro infame.
Não, não era o Lodge, mas a Tânia e o revisor que podia magoar, porque nem todos são rochas como nós.
Que o trabalho bloguístico de excelência tem de incluir um confronto com os mesmo.
O jornalísitico já não, mas a verdade é que ninguém se esforça.
Que sabia fundamentar cada "Não erro" que lhe apontei, mas que este talvez não fosse o meio indicado.
Discuti com mais detalhe a colocação dos pronomes, e fui dando exemplos ao longo do texto.
Reforcei que não se tratava de erros, mas de opções correctas em português.
Digo que devemos ter os melhores junto de nós, devemos perguntar ao tradutor o porquê das milhares de decisões que ele toma.
Disse que não tenho amigos, e muito menos amigos de amigos.
Que, apesar de ignoorante, tinha a Recherche e o Ulisses algo lidos, e que me ficara muito sensível às traudções desde que comparei A "Recherche" do Pedro Támen com as outras que nos davam a comer.
Que cessavam as minhas hostilidades, porque só sabia ser bonzinho.
Que devia haver uma lei que obrigasse a colocação do tradutor na capa do livro, a bem dos leitores.
Perguntei-lhe se tinha ido ao meu blogue, aidivnhei que não, elogiei a qualidade das suas entradas no seu.
Estou muito cansado, já não penso direito e peço desculpa, mas não consigo alinhar mais frases:)
Beijo mesmo, Pedro
Ah, Rosa, parece-me que falhou a reprodução de uma parte gira em que dramatizava o meu papel de escritor que não estava disposto a esquecer as regras sanitárias, ou seja, que, ou morreria como o Eça, para ver o sucesso dos meus Maias, ou teria de chegar ao mercado editorial ao colo de um bom editor.
Não sei se ainda há.
Nesse caso, morro antes da venda da alma.
Disse que provavelmente leria o meu primeiro livro traduzido do português para o portuguesinho, e, claro, como outro título, porque o público é sensível e não come tudo. O público não aguenta os títulos dos autores.
Um nóvel escritor português não pode aspirar a arrancar com um romance de fôlego.
Sabe que mais, Rosa?
Este sono e este cansaço tiraram-me a película que me faz idiossincrático.
Chiça!
ZZZZZZZZZZZZ
Bjs, P
Como tradutora e editora, já tive o prazer de trabalhar com a Tânia Ganho, que eu considero sem sombra de dúvida uma das melhores profissionais do mercado. Não conheço mais ninguém que se dê ao trabalho de, por exemplo, investigar tão exaustivamente todas as referências culturais, políticas, religiosas e sociais que surgem nos livros que traduz, ou que passe semanas a lapidar um poema para a métrica não alterar em nada com a tradução. Imagine, portanto, a minha alegria ao ler o seu post, do qual apenas posso depreender que a Rosa Oliveira é uma tradutora pelo menos tão boa quanto, senão mesmo melhor, que a Tânia Ganho. Se não fosse, não se daria ao trabalho de analisar tão detalhadamente os poucos erros de tradução do seu mais recente livro – até porque são poucos os erros, e difíceis de encontrar. E porque para saber mandar – e criticar – é preciso saber fazer. Assim sendo, aguardo um post a anunciar a edição das suas próximas traduções; estremeço de antecipação ao imaginar a experiência de ler a sua abordagem de À Sombra das Jovens em Flor, Ulysses, Orlando e os poemas completos de Prévert.
A não ser, claro, que a Rosa Oliveira seja só mais uma dessas blogueiras insignificantes que lançam as suas opiniões de meio-tostão para ecoar no infinito acústico da internet. Ou, como parecem indicar todos aqueles posts em que se limita a transcrever letras de músicas, seja uma menina de 14 anos, daquelas com borbulhas inconvenientemente desproporcionadas e que desenha corações em cima dos «i». Era uma pena que assim fosse.
Olá, Joana. A Rosa não é, certamente, dessas, mas também se nota que não teve em conta todas as dimensões e pesos específicos, e foi isso que aqui lhe vim dizer, estimemos os melhores, mas ela lhe responderá melhor do que eu, até porque eu já virei bonzinho e não tenho o apelo puro da polémica.
O que lhe quero dizer, Joana, e isto é importante, é que estamos a assumir que os erros apontados pela Rosa são erros de tradução, e eu afirmo, categoricamente, que não são, e estou disposto a sustentar cientificamente, se quiserem (vamos ser pomposos, pronto) a minha posição!! A treta das colocação dos pronomes, levada ao limite, pode fazer-nos rapidamente começar a escrever um português intragável.
O Pedro tem pilhas de razão, pilhas daquelas enormes e que a pessoa sabe que deve levar para a reciclagem mas vai deixando para outro dia e depois fica-se assim com uma pilha enorme. Neste caso, de razão. Primeiro, em ser bonzinho, que é sempre uma coisa a almejar. Depois, em lembrar que erros, propriamente ditos erros, como tal, não os havia na lista que a Rosa elaborou. Deixei-me entusiasmar pela maldade e esqueci-me de pôr aspas. Finalmente, tem toda a razão em levantar a questão da «tragabilidade» do português - uma quesão estética e estilística que devia muitas vezes estar acima da leitura literal da gramática. Até porque a língua é um organismo vivo, etc. Enfim, uma vantagem teve este post, que foi promover o debate livre e democrático! É pena que isso não sirva de compensação para a injustiça de se perorar contra uma excelente tradutora, especialmente num país onde tão mal se traduz e tão pouco se fala de livros. Mas enfim, dizer mal de quem diz mal é um círculo vicioso de - ahem, mal! E por aqui me fico antes que me torne ainda mais redundante com novas redundâncias.
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