27 de setembro de 2011
25 de setembro de 2011
22 de setembro de 2011
Adenda à “Laia de guisa”
Annie Leibovitz
Uma amiga anunciava-me há tempos ter finalmente um namorado estável depois de um divórcio longo e conflituoso. Estava encantada com o novo príncipe na sua vida. Só havia um problema: era casado.
“Pois o eterno problema”, apressei-me logo eu.
“Sim, mas talvez não no sentido em que possas estar a pensar. Eu não quero de jeito nenhum que ele deixe a mulher. Eu não quero que ele esteja sempre a aparecer-me em casa ou até (isso é que era um inferno!) que lhe passe pela cabeça mudar-se para a minha cidade!”
“Então, afinal, tanto entusiasmo... estou a ver que não estás apaixonada por ele...” – arrisquei.
“Sim, estou apaixonadíssima, mas não quero ser a mulher. Eu quero ser a outra, quero ser a mulher paralela.”
“Mas então... isso é o sonho da qualquer homem! Eles passam a vida declarada ou secretamente a desejar isso!”
“Pois isso julgas tu... Mas este, vê lá tu, está cheio de problemas de consciência, de tal forma que isto já está a envenenar a nossa relação. Imagina que o pouco tempo que passamos juntos é gasto em parte para eu o convencer a não contar nada à mulher e deixar tudo como está, que é melhor assim para todos. Mas ele não aceita! Já viste isto? Ainda vou ser obrigada a romper ou provocar a ruptura por causa da má consciência dele! Que pouca sorte para mim eu estar a oferecer-lhe tamanha sorte para ele!...”
“Se acabarem, não é por causa da má consciência dele. Dos princípios dele queres dizer”
“Não, não. Nestas coisas não há princípios que se aguentem muito tempo. Todos os atropelam. Dá-me lá um exemplo em que um, os dois ou os três envolvidos em triângulos amorosos não se tenha portado mal?”
“Pois é, assim de repente, não estou a ver: Mariana, Teresa, Simão (não, o gajo sabia muito bem que a Mariana estava pelo beicinho e manteve aquilo em lume brando), o Carlos a Diana e a Camila é o que se sabe, X, Y e W, bem como H, D, G (mais cá de casa) também não, todos fizeram asneira da grossa; só talvez a Santa Teresa de Ávila com Deus e S. João da Cruz. Mas com aquela mania de andarem descalços... aqueles arrebatamentos místicos antes da menopausa... Hum, nem mesmo por estes ponho as mãos no fogo.”
A minha amiga é católica. Católica progressista. Tão progressista, tão progressista que às vezes já nem consigo vislumbrar o catolicismo dela que vai lá bem à frente, longe do pelotão. De modo que este exemplo caiu como mel na sopa (para mim, petisco arrepiante, mas sói dizer-se...).
A minha amiga tem razão.
No fogo, por ninguém. Somos todos mais ao menos podres e o melhor é, partindo desse mau princípio que é um bom começo, sermos práticos e evitarmos sofrer e fazer sofrer. Como dizia um dos meus namorados (ex, já agora) “parto do princípio de que as coisas não são fáceis o que facilita muito as coisas”
Poderemos pensar: e as raparigas?
Pois se elas forem paralelas, já viram as possibilidades matemáticas da coisa?, se elas são paralelas podem ter homens paralelos e assim por diante.
E as paralelas vão até ao infinito, nunca se encontram, lá vão elas por ali fora, lado a lado, umas mais chegadinhas, outras mais afastadas entre si, paralelamente, de mãos dadas sem se tocarem até ao infinito. Poderá parecer asséptico, mas só para os muito cépticos.
Sinceramente, vocês estão a imaginar alguma rapariga (quando digo rapariga é sempre acima dos 35 anos: antes dessa idade, salvo raras excepções, não são exactamente seres humanos, são uma espécie de pré-história das boas ou más pessoas em que se hão-de tornar – e, portanto, só posso fazer uma diplomática epokhé por razões óbvias de não conseguir meter o dente no transcendentalismo), imaginais, dizia, uma rapariga com a vida relativamente organizada (o que quer que isso queira dizer) a querer retomar o calvário de paixão, reorganização do ajuntamento de trapinhos (imensa e inútil trabalheira), apresentação aos amigos, suas empatias e desempatias, rotina, desconfiança, decepção, discussão, bordoada? quando pode, muito simplesmente ser a mulher paralela e, por se lhe der na real gana (chamemos-lhe assim, provisoriamente), ter os seus homens paralelos também?
Poderão objectar que isso seria uma bandalheira e as crianças (meu Deus, as crianças?) e as férias com quem as faço e as doenças sexualmente transmissíveis e quem paga o IRS e como são as deduções, por aí adiante.
Meus amigos (e até inimigos), sejamos sinceros: tudo isso se resolve quando há boa vontade (e podem terá certeza que para manter este sistema tem mesmo de haver vontade – e, no fundo, no fundo, quem é que não tem vontade? Até a Teresa de Ávila tinha vontades indomáveis!...)
Fico-me por aqui. Como o outro, “sob o manto diáfano da fantasia ...etc “
Resumindo: ser-se, ter-se paralelos é que está a dar. Se não está, devia estar.
Geometria elementar, caro Watson (olhem, por falar nisso, esse, o Sherlock e o monstro do Lago Ness é que andaram numa geometria não euclidiana de se lhes tirar o chapéu).
Post scriptum (ao post): afinal isto não é uma adenda, é uma errata.
11 de setembro de 2011
atendimento a clientes
Mas não há. Está tudo direitinho, não há posts encavalitados nos outros — era o que faltava!... Só está assim para quem usa o internet explorer. O problema é do browser, se usarem outro, vêem tudo direitinho. Como de costume, "é de lá".
Por essas e por outras é que eu escrevi o post sobre o desfuncionamento da maquinaria.
10 de setembro de 2011
as casas em espinho com ruy belo
rebecca horn
— que nome
existe para isto que nem mesmo é alegria
ruy belo, boca bilingue
com este aspecto esplêndido diz ele que vou pela rua principal
as casas resplandecem onde menos se espera
na encruzilhada uma delas espreita e diz aqui estou à espera
abrem-se armários há estolas de raposa cor de rosa velho
atentas, esperando há décadas
vestidos negro azeviche e brilhantes prontos a serem transportados
para alguma cidade desfiada e gélida
varandas triangulares apontam para o centro do inverno
na cauda da cidade um terraço gigantesco espera os cães da tarde
perdido em casebres de papel pintado
o cheiro a bróculos nas escadas
exemplo do pôr do sol aqui pousado eternamente
tu envolto no amarelo cansado de fim do verão
como são estas vidas suspensas e convictas
disponíveis na sua clausura de casas de outro tempo
imanência e rigor da poesia
releio ruy belo
insuportável como a música
a cara do meu filho está na página seguinte
truques que o pensamento débil nos ensina e que ruy belo não permite
é insuportável ler rodoreda com as suas flores espalhadas
é insuportável a literatura
único bem aqui neste pôr do sol e em todos os outros
virar a página assusta como a guinada no coração
ao conduzir uma leve tontura, presságio do acidente que nunca chega
parábola do ataque cardíaco
alguma coisa na memória antecipada do nosso corpo produz um pó
de prevenção inútil para o desastre possível
a dor antecipada não é piedosa
daquela casa via o nevoeiro eterno, as varinas gritavam “vivinha d’espinho!”
sentia o rumor das aldeias que acorriam à feira e eu com elas
o pôr do sol é platão que regressa
dizem que era feio
e que aristóteles era um janota
o pôr do sol inclemente do peloponeso
não é o pôr do sol melancólico, escandinavo de espinho
é um poema longo com prefácio intrincado
virado para dentro
como tu do avesso
o livro está pousado como a mão de um homem
queria ser a forma distendida do poema
deambulação sem mapa
tenho os olhos secos com a poeira da leitura
respiro fundo e sei que o único lugar é este
esse tecido agreste das tuas palavras sem medida
leio ruy belo e há outros homens por trás dele
caindo um a um nas páginas opacas
poemas longos como o sofrimento
linhas contínuas de anestesia
postfácios de livros em branco enrolados na espuma insólita do mar de espinho
meio dia na areia fina e brilhante
o quartzo microscópico reflecte o sol a pique
esse mineral generoso de nome incerto
na avenida 8 espera-me outro poeta que pede gins
e adormece em todos os balcões
murmura relatos de quando enlouqueceu
e saiu nu debaixo de um casacão de inverno
com um frasco de eno no bolso interior
tinha medo da contra-revolução
esbracejava na rua dentro do casaco armadilhado
e repetia a quem passava:
“hoje é a noite certa para a vida!”
uma tarde esperou-me sóbrio na esplanada
exaltou um novel romancista que depois li com certa forma de nojo
a literatura está cheia de gente com prosápia
de gente acéfala que recebe prémios e quando não recebe
descalça-se e geme de olhos fechados como os fadistas
os fadistas da literatura ainda são mais intoleráveis do que os verdadeiros fadistas
nada disto está aqui já em espinho
cidade como beirute com as vísceras a céu aberto
no caminho metafórico para madrid
imprimes mentalmente o teu capítulo de uma história literária
unívoca em linha recta
dissertando sobre um real que não regressa nunca
não pode regressar por impossibilidade teórica da alegria
a luz dourada das folhas treme
o vento constante, insistente
a luz derramada em espinho
poderia ficar aqui até começar a canção de setembro
mas estamos em abril o mês cruel
não posso ler porque as palavras cheiram a ti
calo-me e emudeço
para sempre não é palavra aceitável
preciso de cigarros, não sei fumar
escrevo no verão como ruy belo
vejo o declinar do sol sobre a barba profética
na busca de uma epifania que salve alguém que faça qualquer coisa para cá da morte
sentada nos meus dias nos meus sonhos
assisto à vida ínfima das coisas e de nós nas coisas
objectos úteis que nos fazem tropeçar
acordos, mediações, olhos nos olhos com o mal
estou no fundo das escadas da casa da rua 18
a tentar escrever primeiro e pensar depois
as ruas antigas não mudavam de cara de ano para ano
enquanto pestanejas dura a guerra de tróia
I am the distance you put between
all of the moments that we will be
You know who I am
You’ve stared at the sun
I am the one who loves
changing from nothing to one
em 78 ouvia cohen e lia ruy belo e comovia-me
não sabia bem para quê
em 78 ninguém se comovia sem razão
seria comoção racional vinda do futuro
um toque de melancolia de montaigne
espinho, portugal a precisar de elegias como de pão para a boca
a memória das nossas opiniões dispostas umas sobre as outras
os fenícios talvez tenham passado por aqui, deixando pegadas na areia
onde estão os fenícios hoje?
onde estaremos amanhã depois de gastarmos as energias que nos eram destinadas?
onde estamos nós na memória dos fenícios?
o sol acabou de mergulhar
ao longe já não vejo as casas convalescentes da granja
levanto-me e caminho no paredão: que pessoa vou ser agora?
fallaste corazón
no vuelvas a apostar
fear of fear
There's a party in my mind...And I hope it never stops
I'm stuck here in this seat...I might not stand up
Other people can go home...Everyone else will split
I'll be here all the time...I can never quit
Everything is very quiet
Everyone has gone to sleep
I'm wide awake on memories
There memories can't wait.
9 de setembro de 2011
Houston, wii have a problem
Tanta possibilidade tecnológica está a aproximar-se do caos. Pelo menos à minha volta.
Episódio 1)
Há uns meses o meu pai ao telefone: “Vais receber uma carta minha, mas não faças caso do conteúdo.”
Naturalmente fiquei preocupada com o teor da conversa: “Mas diz lá o que é que se passa? Há algum problema?...”
Ao que ele: “Não, é só uma carta a dizer que estava sem telefone e que te telefonaria assim que a avaria estivesse sanada. Mas, afinal os tipos dos telefones vieram cá rapidamente e a informação da carta já não tem interesse. Por isso já te posso estar a telefonar.”
Ainda perguntei: “Então e quanto tempo durou essa avaria?”
“Duas ou três horas. Eles vieram logo. Mas eu não queria que ficasses preocupada, entretanto. Também mandei outra carta para a T., para Lisboa, a dizer o mesmo.”
A T. é a minha irmã. Ao que eu: “Está bem, nem cheguei a ter tempo para me aperceber de tal avaria....”
Depois, reflecti: “Mas ouve lá, se foste ao correio para comprar selos e enviar duas cartas, porque não telefonaste de lá?”
O meu pai: “É verdade! Nem me lembrei...”
Na manhã seguinte, lá recebo eu a carta que dizia apenas: “Estou sem telefone. Já participei às avarias que me disseram que dentro de dois dias seria reparada. Logo que tiver telefone, comunico-te.”
Episódio 2)
Tempos depois, eu parada numa Worten a olhar distraidamente para uma parede de plasmas e lcds — nem sei se isto não é um pleonasmo tecnológico. Lá vem o inevitável funcionário solícito perguntar-me se precisava de ajuda. Eu, tirada daquele remanso à espera que o meu filho escrutinasse não sei que aparelhómetro, lá lhe retorqui com toda a sinceridade e incómodo de ser interrompida no processo dissecativo da morte da bezerra: “Não, na verdade, estava só a olhar para estes écrans e a tentar perceber as diferenças entre eles. Mas não estou a pensar comprar. Só quando morrer uma televisão muito pequenina e muito básica que tenho lá em casa. É muito antiga, praticamente a preto e branco. Destas modalidades novas não percebo nada, olho para isto como um boi para um palácio.”
“Eu passo a explicar as várias situações.” – diz o rapaz, julgando pela minha demonstração de ignorância que me ia convencer com o seu mau português. E começa numa ladainha tecnológica explicando as potencialidades, diversidades, especificidades, personalidades de cada um dos aparelhos que, sincronamente transmitiam o mesmo filme no mesmo momento de estupidez e cambalhotas realizativas. Eu, de vez em quando, fazia uma pergunta ociosa, fazendo-o voltar atrás e gaguejar no aranzel vendedor, obrigando o moço a recuperar frases a meio ou a dois terços e a torcer o braço à ideia, sempre num arrazoado ciclópico pronto a arrastar-me para a caixa registadora. Até que, a uma dessas perguntas ele responde: “A função bipotix (supostamente) permite-lhe fazer xospassex (por aí).” E eu, inocente: “Diga-me isso agora em português, por favor.” “Olhe”, acresce ele já subindo um pequeno degrau na irritação da voz, “permite ligar o telemóvel à televisão...”
“Credo!...”, gritei eu, recuando uns passos assustados, “e pra que quererei eu ligar o telemóvel à televisão?!!!... E não dá pra ligar o micro-ondas à máquina de lavar roupa e faz-se logo o ménage todo?! Credo!... Não quero saber mais nada...” E saí sem mais delongas com o rapaz a olhar pra mim com ar de dúvida sobre a minha sanidade mental e muito provavelmente sobre o uso do ménage naquele contexto tão pouco sexual.
Episódio 3)
Dias depois, queixo-me eu ao telefone ao meu amigo A., depois de repetidas e infrutíferas tentativas de contacto: “Não atendes o telefone, não devolves as chamadas, isto assim é uma chatice!... Viste ao menos os mails que te enviei? Já há mais de uma semana!” Resposta tipo dele (de há dez anos a esta parte): “Não, linda. Não vejo mails há algum tempo, tenho tido muito trabalho.” — justificação que, para o comum dos mortais, contém uma contradição fatal entre os termos da proposição, mas ele não acredita. Aqui é uma questão de fé. De falta de fé na realidade para além dele. Mas adiante, não quero especular, que isto daria mango pra panas.
Minha deixa final: “Bolas, assim não dá! Se eu seguisse o raciocínio do meu pai, para chegar à fala contigo, teria de ir aí entregar-te um telegrama a avisar-te que ia telefonar indicando que tinhas mails meus para ler, pôxa!... Nem sei se ainda há telegramas... qualquer dia tenho de usar os tambores da selva ou sinais de fumo daqui de baixo...”
O meu amigo vive a 100 metros de mim.
Episódio 4)
Telefono para o meu pai há dois dias. “Ligaste, pai, mas eu estava a falar.”
E ele: “Pois, eu percebi. Estás bem? E o AP (meu filho), tens notícias dele?”
“Estive há pouco a falar com o ele no skype (o rapaz está em Madrid), está óptimo.”
Vi logo que a informação ia dar bota: “O que é isso?”
“É uma forma de falarmos e de nos vermos usando os computadores. É prático e é gratuito.”
“Está bem. E com a T., falaste com ela hoje?”
“Sim, era com ela que estava a falar quando tu ligaste. Está tudo bem.”
“Pois, eu também tentei ligar-lhe, mas não a apanhei. A mensagem foi parar ao pacemaker.”
Não dá... Alguém tem de parar por uns instantes as telecomunicações, a tecnologia, os tambores da selva, os sinais de fumo, os megapixeis, os gigabaites, os browsers, os wirelesses, os megabotes, o camandro...
Precisamos de um refresh senão fazemos tilt.
6 de setembro de 2011
charlie & roger
o meu filho escolheu este video clip de um filme que ele ainda não pode ver.
procurou-o por causa da música, um dos seus discos preferidos.
2 de setembro de 2011
paradoxo histórico
Hoje é o dia da Comunidade Autónoma de Ceuta.
Alguém me explica este desencontro entre a História e o design?